Para elogiarmos ou criticarmos qualquer idéia, é óbvio que nossa primeira providência deve ser procurar tomar conhecimento do que ela significa. No Brasil, onde quem leu apenas meia dúzia de livros durante toda a vida é considerado um "intelectual" - e, dadas as enormes carências de nosso sistema escolástico formativo, se for marxista, embora tendo lido não mais do que uma ou duas críticas à obra de Marx (escritas por marxistas, naturalmente), é reverenciado como um verdadeiro sábio - há, por parte dos críticos do liberalismo, incontáveis demonstrações de falta de atenção para com essa premissa elementar, a de saber sobre o que se está a falar. O que é de fato essa doutrina, quase sempre pintada como um monstro devorador de pobres e alimentador de ricos, que os críticos tupiniquins costumam denominar, já em demonstração preliminar de ignorância, de "neoliberalismo" e que é conhecida apenas por uma pequena fração de brasileiros, espremidos entre o predomínio cultural da esquerda jurássica, de um lado, e do nacionalismo xenófobo, de outro? Em poucas palavras, o liberalismo pode ser resumido em quatro princípios fundamentais: o individualismo metodológico, o mérito como um valor (meritocracia), a igualdade de oportunidades e a primazia da liberdade de escolha. O individualismo metodológico pode ser sintetizado em uma frase de Ludwig von Mises, o grande economista austríaco, autor da memorável obra Ação humana (1948): "A idéia de uma sociedade que operasse ou se manifestasse independentemente da ação dos indivíduos é absurda". Com efeito, embora o todo seja a soma das partes, deveria ser evidente - mas, infelizmente, não o é - que esse "todo", ou seja, a sociedade, não pensa, dorme, compra, vende, toma café, vibra com os gols do seu time ou canta uma canção, como os indivíduos que o formam fazem quotidianamente. O estímulo ao mérito, ao esforço individual e ao trabalho duro, sob leis justas que os amparem, é o segundo princípio, ao lado dos incentivos à competição não predatória, que, tanto na esfera intelectual como na material, é o meio mais eficaz para atingir os fins humanos, como nos ensinou Friedrich von Hayek, outro famoso economista da Escola Austríaca, Nobel de Economia em 1974. O terceiro princípio é o da igualdade, não de resultados, mas de oportunidades, pois, se o postulado da dignidade da pessoa humana nos ensina que não existe um só indivíduo que seja mais importante do que outro, é bastante justo que todos os indivíduos, desde o filho do banqueiro até a filha do catador de xepa nos finais de feiras, tenham acesso à boa educação e saúde, para que possam, por seus próprios méritos - e não por decretos, como acontece com os sistemas de cotas em universidades - lutar pela vida ao lado dos demais, sob condições razoáveis de igualdade. Por fim, o princípio da primazia da liberdade de escolha deriva da própria natureza humana e pode ser resumido como o fez Thomas Jefferson: "Acreditamos que sejam evidentes estas verdades: que todos os homens foram criados iguais; que o próprio Criador os dotou de alguns direitos inalienáveis; que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade". É importante ressaltarmos que os liberais e os libertários divergem no que diz respeito à definição de liberdade: para os últimos, liberdade significa fazer o que der na veneta, sem maiores restrições de ordem moral, enquanto que, para os primeiros, somos livres para fazermos o que pretendemos, mas desde que nossas ações estejam subordinadas à lei moral, que deve determinar o próprio sistema jurídico da sociedade e, por conseqüência, não venhamos a agredir direitos de outros indivíduos. O liberalismo ainda não desembarcou no Brasil, embora, paradoxalmente, seus críticos - que, em sua quase totalidade, o desconhecem - o apontem como o grande responsável pelo nosso atraso. Aqui, quase todos pensam em "país", ao invés de em cidadãos; desestimula-se o mérito e a busca pelo sucesso, quer pela ausência de educação e saúde de qualidade, quer pela imposição de barreiras burocráticas e regulamentares que prejudicam o trabalho formal ou a abertura de um negócio; temos um dos maiores níveis de desigualdade de oportunidades do planeta e, finalmente, nossa liberdade de escolha também é bastante restrita, pela forte presença do Estado em nossas vidas. Nota do Editor: Ubiratan Iorio (www.ubirataniorio.org) é Doutor em Economia pela EPGE/FGV. Diretor da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ (2000/2003), Vice-Diretor da FCE/UERJ (1996/1999), Professor Adjunto do Departamento de Análise Econômica da FCE/UERJ, Professor do Mestrado da Faculdade de Economia e Finanças do IBMEC, Professor dos Cursos Especiais (MBA) da Fundação Getulio Vargas e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Coordenador da Faculdade de Economia e Finanças do IBMEC (1995/1998), Pesquisador do IBMEC (1982/1994), Economista do IBRE/FGV (1973/1982). Presidente-Executivo do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista (CIEEP). Diretor-Presidente da ITC - IORIO TREINAMENTO E CONSULTORIA.
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