O fiscal pára o carro num dos principais cruzamentos da cidade. Em tom grave e sonoro ele diz, apontando para o motorista: "Cinto de segurança e criança no banco de trás!". É claro que o motorista não disse palavra; limitou-se a fazer o que lhe foi determinado e agradeceu em silêncio o fato de não ter sido multado, pois a infração era dupla. Minutos antes eu pedalava quando me deparei com diversos grupos de pessoas caminhando pela ciclovia - as pessoas desembarcam dos navios e acham lindo caminhar justamente ali. Diante do primeiro grupo eu parei a bicicleta e tentei orientar as pessoas, avisando que se tratava de uma ciclovia e que era mais seguro andar pela calçada. A frase mais suave que ouvi foi "Vai se catar!". Diante do segundo grupo eu disse em voz alta "Ciclovia!" e passei sem parar, o que naturalmente foi uma manobra arriscada para mim e para os pedestres. Diante do terceiro grupo desisti da ciclovia e passei a pedalar na avenida. O que é admirável no primeiro caso é a coragem e a eficiência do fiscal em educar, fazendo valer a lei que exige o uso do cinto de segurança e crianças no banco de trás. O comando do fiscal foi suficiente para reparar um erro e reconduzir à ordem uma situação que poderia terminar muito mal. Uma multa simples e à distância, como costuma acontecer, não teria forçado o motorista a usar o cinto de segurança ou a colocar seu filho no lugar adequado. No segundo caso chamam a atenção a displicência e a grosseria de alguns pedestres. Um gesto como o daquele fiscal de trânsito seria suficiente para liberar a ciclovia para quem de fato ela foi feita: nós, ciclistas. Nos dois casos é notável como muitos problemas são resolvidos com ações simples como voz grossa e fiscalização eficiente - cojones e savoir-faire, se me permitem misturar dois idiomas na mesma frase. Pode-se argumentar que para cada bom exemplo há dezenas de maus exemplos e que a eficiência custa caro e toma tempo. Mesmo que estes argumentos fossem válidos, é impressionante como eles são usados como desculpa para que tudo permaneça como está e não para tornar a urgência da mudança mais evidente. Eu já ouvi coisas desse tipo de pessoas que queriam me convencer a me conformar com as péssimas condições da ciclovia e com a idéia de que as coisas só mudarão quando passarem de péssimas para trágicas. Seria bom se as bicicletas fossem tratadas com algum respeito. Primeiro, pelas razões de sempre: bicicleta não polui, não faz barulho e não causa congestionamento. Segundo, porque manter uma ciclovia é mais simples e mais barato do que manter ruas e organizar o trânsito de carros, ônibus, caminhões e motos. O dinheiro gasto com pavimentação, fiscalização e reparos em ruas e avenidas é bem maior do que aquele necessário para fazer as mesmas coisas em ciclovias. Terceiro, as intenções de melhorar o trânsito de Ilhabela (vide zona azul, limites de acesso na balsa, taxa ambiental etc.) só serão realidade de fato quando as autoridades (sempre elas) perceberem a importância de diversificar os meios de transporte e a facilidade com que isso pode ser feito com base em coisas simples como coragem e bicicletas, para citar apenas dois exemplos. Não vejo melhor forma de causar essa percepção do que colocar os políticos para pedalar. Quando eles estiverem suados, disputando espaço com pedestres, desviando do piso mal feito e aflitos com a ciclovia inacabada, talvez eles percebam a importância de concluí-la, equipá-la decentemente e, afinal, considerar a bicicleta uma opção séria de transporte urbano. Seria um excelente começo se os carros oficiais fossem substituídos por bicicletas oficiais - mas isso tornaria impossível esconder-se atrás do insulfilm, eu sei.
Nota do Editor: Christian Rocha vive em Ilhabela, é arquiteto por formação, aikidoka por paixão e escritor por vocação. Seu "saite" é o Christian Rocha.
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