Nos últimos tempos, Fidel estava dando claros sinais de decrepitude. Afinal de contas, ele já não é nenhuma criança nem goza mais de uma "saúde de vaca premiada", como diria o saudoso Nelson Rodrigues. Mas, até recentemente, isto não o impedia de exercer o Poder, como bem lhe aprouvesse, manu militari. Não tinha sido derrubado por nenhuma revolução, mas sim por um desastrado tropeção que o levou a dar com as fuças no solo e quebrar uma perna. E em frente das câmaras da TV cubana! Dizem alguns fervorosos defensores do regime que um agente da CIA colocou cascas de banana nos degraus para Fidel escorregar. Mas seus inimigos e desafetos dizem que ele tropeçou no seu infladíssimo ego. Desse momento em diante, a saúde do manda-chuva de Cubanacan passou a ser uma questão de segurança nacional que nem os gastos do gabinete presidencial no atual Brasil assolado por tsunâmica corrupção. Afastado do cargo de Presidente - exercido interinamente por seu irmão, Raúl Castro - o Coma Andante passou a ser o Coma Deitante, aparecendo de vez em quando nas telas da TV - trôpego, chupado, ensimesmado e empijamado - com um cadavérico semblante de Amenófis III aos 2.000 anos de idade. Muita gente pensou que, de uma hora para outra, o homem ia bater as botas, sem ao menos ter comemorado bodas de ouro com o Poder. Que azar! Faltava tão pouquinho... Assumiria fatalmente Raúl Castro, mas como ficariam as coisas ? Nem todas, mas ao menos algumas mudariam, ou ficaria tudo como dantes no quartel de Abrantes? Não nos esqueçamos do sábio conselho político daquele nobre sicialiano decadente em O Leopardo de Lampedusa: "As coisas têm que mudar, para que permaneçam as mesmas". Indagado sobre o significado prático da renúncia de Fi(d)el Cast(r)o, o pós-doutor Oswaldo Coggiola da USP - um marxista especialista no pensamento de Marx e professor de marxismo - foi contundente e enfático: todos estão redondamente equivocados em suas especulações: a realidade não é nada disso que parece ser [obs. O referido professor trabalha no Brasil, mas é argentino, para os que ainda não perceberam, apesar de seus notórios acanhamento e modéstia]. Na verdade, trata-se de uma engenhosa manobra estratégica de Fidel ou ao menos foi o que declarou Coggiola, numa inenarrável entrevista exclusiva para o jornaleco da ADUFRJ [Associação dos Do(c)entes da UFRJ], Ano X, nº 569, 3/3/2008, p. 8. - um veículo de idéias brasileiro a serviço das mais progressistas comunistas e pós-modernas. Na opinião do referido especialista, Fidel foi extremamente sábio em aprovar, ainda em vida, sua sucessão, evitando, assim, uma briga de foice em noite de tempestade, tal como ocorrera em 1976 com a sucessão do camarada Mau na China, que não tinha apontado seu sucessor enquanto ainda podia, sem precisar recorrer a uma sessão espírita, para apontá-lo lá do Além. Segundo ainda o mesmo marxista especialista em marxismo e professor de filosofia de Marx, "Fidel se retira do poder político por sua própria vontade, depois de 49 anos de bloqueio imperialista de Cuba, de uma invasão (a Baía dos Porcos) e de inúmeras tentativas de assassinato por parte da CIA. [obs. Segundo o próprio defunto virtual, 300 infrutíferas tentativas!!!]: Isso é uma derrota do imperialismo norte-americano." (op. cit., p. 8. O grifo é nosso). Como todo mundo sabe - a não ser o Lulla que nada e de nada sabe - para o exótico modo de pensar nipônico tradicional, se um indivíduo pratica harakiri à porta de um desafeto, isto não é visto como mero suicídio do praticante do ato, porém como algo mais: como fortíssima desonra para seu desafeto. De modo semelhante, Fidel foi derrotado pela doença e pela decrepitude, mas para o não menos exótico modo de pensar do professor Coggiola (com dois gês e um tapuia) o derrotado é El Monstruo, como carinhosamente Fidel chama os Estados Unidos. Isto é que é pensamento afinado com a pós-modernidade! Que penetração no âmago do processo histórico! Que poderosos insights filosóficos! But the leftist show must go on... e eis que surge a segunda questão com uma resposta ainda mais brilhante do que a da primeira: "Como isso afetará o socialismo real de Cuba? Existe, de fato, uma pressão popular pelo retorno ao capitalismo, como faz parecer a imprensa convencional?" Antes de espezinhar as anacrônicas esquerdices - tanto do entrevistador como do entrevistado - devo dizer que me causou deveras espécie a expressão "imprensa convencional". Fico somente imaginando o que seria uma imprensa não-convencional... Será que se trata de mero eufemismo para "imprensa burguesa", sempre a serviço do vil capitalismo? Qualquer que seja o significado, parece certo que, pelo sentido do contexto, o indagador não se considera um membro da "imprensa convencional", que assume as conotações de "imprensa mentirosa" e "porta-voz da burguesia decadente". A resposta de Coggiola é confusa e contraditória, mas ficamos sem saber se isto ocorre por ele pensar de um modo naturalmente confuso e contraditório ou se faz parte de uma técnica retórica que consiste em falar "bonito" para a platéia, mas para não dizer absolutamente nada - coisa assaz freqüente em intelectuais brasileiros. Cito-o, em suas próprias palavras, para que não digam por aí que estou a distorcer seu pensamento por pura picuinha da minha parte. "Não existe ’pressão popular pelo retorno ao capitalismo’. Essa pressão existe, mas não é popular. Na verdade, em Cuba já se vêm os sintomas de uma mobilização popular (...) Os estudantes da Universidade de Informática interpelaram o presidente da Assembléia Nacional, Raúl Alarcón. O estudante Eliézer Ávila apresentou suas posições com toda a energia, reivindicando liberdade de informação e o direito de viajar ao exterior. Alarcón respondeu como um burocrata fossilizado." (op. cit., p. 8). Como qualquer pessoa que não seja um analfabeto funcional pode ler e entender, primeiramente Coggiola concorda que há uma pressão, somente nega que a mesma seja "popular". Posteriormente, ele afirma que já há "sintomas de uma mobilização popular". Ora, pipocas! Mobilização popular não é o mesmo que pressão popular? E os estudantes não fazem parte do povo? E quando eles se mobilizam e fazem as respectivas reivindicações, por acaso não é isso um segmento popular pressionando uma burocracia fossilizada, coisa, aliás, admitida pelo próprio Coggiola?! Sinceramente, se ele fosse meu aluno, eu não o reprovaria pela ideologia caquética por ele sustentada - Sou a favor da liberdade de expressão, incluindo a dos que pensam totalmente diferente de mim - porém pela falta de lógica e clareza na expressão de seu pensamento! But the leftist show must go on... Finalmente veio a pergunta que não podia se calar... "Existe o risco de uma intervenção externa , essencialmente norte-americana, em Cuba?" Tan, tan-tan-tan...! Furtwängler ataca a Quinta de Beethoven! Coggiola afirma que o imperialismo espera uma restauração pacífica do capitalismo em Cuba, mas, ao mesmo tempo, está se preparando para uma possível intervenção militar. Dito isto, surge mais uma pérola de pensamento: "O imperialismo nunca aposta numa carta só - por isso domina o mundo, caso contrário já estaríamos no socialismo." (idem ibidem). Terrific! Great! Ora, supondo que assim seja, eis aí um sábio conselho para os "socialistas" de todas as cepas e cores: Façam como o imperialismo. Nunca apostem numa carta só. Fazendo isso, vocês dominarão o mundo. E se vocês querem saber o que quer dizer "nunca apostar numa carta só", vão até São Paulo (SP) entrem na USP, procurem o Depto. de Marxismo Prático-Teórico e perguntem ao professor doutor Oswaldo Coggiola. Eu não sei, mas garanto que ele saberá dizer o que significa a referida expressão, uma vez que é declarado pai da criança. Finalmente - não sem pompa e circunstância - a pergunta final e sua retumbante resposta: “Qual o legado que a figura de Fidel Castro deixa para a América Latina e para os povos em geral?” Resposta: "Um legado de obscurantismo, terror, sangue e idéias tortas", perdão: "Que só é possível se libertar do imperialismo através do socialismo e que se o imperialismo pôde ser derrotado numa ilha situada a poucas milhas de suas costas, ele pode também sê-lo no continente e no mundo todo. Com coragem,decisão e direção política." Bravo! Bravo! Bis! Bis! (op. cit., p. 8). É realmente impressionante! Unbelievable! Como pode alguém ser tão cego a ponto de não perceber que Cuba e Coréia do Norte não passam de duas seqüelas do bipolarismo da guerra fria. Enquanto até a China de Deng-Chao-Ping e o Vietnã de não sei quem estão ansiosos para se livrarem totalmente dos estragos do comunismo, o professor Coggiola acredita piamente no breve fim da livre iniciativa, da "mais-valia capitalista" e do pluripartidarismo. Mais um eminente membro da vã guarda do atraso!!! Apêndice I: Do jeito que sucê tá só home que pode te ajudá Num recente documentário sobre a vida cotidiana em Cuba, levado ao ar no Canal Brasil (66), os entrevistadores pediam licença aos moradores para entrar em suas casas e conversar um pouco sobre a vida. A todos, eles invariavelmente faziam uma pergunta final: "Qual o seu grande sonho?" Quase todos invariavelmente diziam que era ir embora de Cuba, ainda que a nado, para a Florida. Porém, uma dona de casa deu uma surpreendente resposta: "O fim do racionamento." [obs. racionamento de comida em Cubanacan, misterioso país del amor, já dura mais de 40 anos!]. Realmente, n’é brinquedo não! Comer - caso você ainda tenha este péssimo hábito burguês - todo santo dia, quer chova ou faça sol, moros y cristianos con bananas fritas. Com direito a dos huevitos por mês e um pollo esperto de três em três. Haja saco! Estivesse vivo e fosse cubano, o poeta Maiakowsky certamente diria: "É preferível morrer de rum do que de tédio!" Nota do Editor: Mario Guerreiro (xerxes39@gmail.com) é Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade. Autor de obras como Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000). Liberdade ou Igualdade (Porto Alegre, EDIOUCRS, 2002).
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