Uma visão reflexiva na concepção de uma cantora lírica
Uma atmosfera de sonho e realidade é criada através da genialidade coreográfica construída por Marius Petipa e Lev Ivanov. França e Rússia se unem através do seu legado. Mestre e discípulo compartilham a magnitude proposta por Piotr Ilich Tchaikovsky. Talvez seja Tchaikovsky o compositor que mais escreveu para ballet. Dotado de um temperamento inquietante, utilizava-se de histórias infantis, contos de fadas, para fazer um profundo questionamento da alma humana. Havia sempre algo a mais a ser explorado. Muito mais do que uma simples "árvore de Natal" - "O Quebra Nozes"; mais do que um sono profundo de uma jovem que aguarda ser despertada com o beijo do seu príncipe - "A Bela Adormecida"; ou do que uma donzela-cisne que precisa de um juramento de amor eterno para se livrar da maldição de um feiticeiro - "O Lago dos Cisnes". Tchaikovsky, através de Odette e Siegfried, induz a repensar: Como é o momento em que vivemos? Quais as nossas prisões? A solidão de Odette pode representar a solidão da alma humana? Quais são as Odettes nos dias de hoje? E quais são os Siegfrieds? Em "O Lago dos Cisnes" temos dois seres "aprisionados" - Siegfried e Odette. Um, pela mesmice da realeza aristocrática que forjou um príncipe de personalidade fraca e insegura. O outro, a total submissão muito bem-camuflada na "capa" de um cisne, escondendo a real capacidade de um ser pensante, com as idéias próprias e os sentimentos nobres de um ser humano. No mundo atual, a identificação maior é com Odette ou com Siegfried? A quê se está aprisionado? Aos contra-valores? Aos direitos da pessoa humana? Tchaikovsky, em "O Lago dos Cisnes", como grande romântico, cria uma expressão musical que introduz o espectador na temática principal deste drama, na imagem do cisne. A dualidade de Odette - Odille (aprisionada submissa - humana sedutora), contrapondo-se à irreverência maligna de Rothbart. Um duelo entre o bem e o mal. E vem-nos a sensação de tédio como Siegfried e de solidão como Odette. Sem esquecer a figura do feiticeiro Rothbart, o todo poderoso manipulador que deseja "deter" o destino de ambos. Posteriormente, amor e sedução se completam na contribuição dada pela orquestra em que a essência de Odette, representada pelo solo do violino, caracteriza a imagem do cisne, e a essência do príncipe Siegfried, representado pelo solo do cello, incorporam a tristeza de Odette, envolvendo a fragilidade humana de Siegfried. O universo metafórico, proposto por Tchaikovsky, pode ser um grande auxílio para refletirmos na capacidade individual de transformar "aprisionamento" em sentido de vida. Não será verdade que voamos como pássaros, mas não decolamos das insatisfações pessoais? Mergulhar no Lago de Tchaikovsky é mergulhar no nosso lago pessoal. Neste desenho musical na obra de Tchaikovsky, Cecília Kerche, com sua elegância clássica, é alguém que transforma a angústia do seu personagem em algo transcendental, pela magnitude de movimentos cuidadosamente elaborados a cada nota, libertando através de sua arte o universo individual do espectador. Expõe sua verdade íntima com a maturidade de uma diva somada ao requinte pessoal de uma grande intérprete. Nota do Editor: Wellen de Barros é cantora do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Possui formação em Piano e Harmonia pelo Conservatório de Música de Niterói. Estudou interpretação Operística, História da Ópera, História da Música e Canto Lírico no Rio de Janeiro. Como professora do Conservatório de Música, desenvolve projeto de Apreciação Musical junto a estudantes de ensino médio e universitários. É pesquisadora de dança e música, e escreve artigos para o Theatro Municipal sobre ópera, música sinfônica e ballet. Como pesquisadora, atualmente desenvolve um projeto de estudo e pesquisa sobre a arte do ballet e do canto.
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