- Pronto. - Gilberto? - Sim. - Não discuta comigo porque a gente não tem muito tempo. Aqui é você falando com você, aceite isso pra encurtar a história. - Quem é o engraçadinho, heim? - Eu sou o você do passado. Eu sou você aos 17. Deixa eu te explicar direitinho o que acontece: o nosso eu de 2062, ou seja, o Gilberto do futuro, tem uma mensagem urgente pra você. Ou pra nós, se preferir. Não desliga que o assunto é sério... - Tudo bem, vou entrar na brincadeira. O que você quer comigo? Ou melhor, o que eu quero comigo? - A gente está numa bela de uma enrascada, meu velho. Permita-me chamá-lo de velho, já que você, ou o eu que está aí, tem idade pra ser pai deste que vos fala. O sr. concorda? - Mande o senhor para aquele lugar, seu pirralho. - Eu não faria isso comigo. Afinal, eu somos nós, de forma que tenho que zelar por você o tempo todo, pelo meu próprio bem. - Bom, pra encurtar o assunto... - Ok, vamos lá. - Nós temos 98 anos e estamos numa pior, lá em 2062. - Nossa, que judiação... - Deixa de ironia, Gilberto. Fomos parar num asilo em Belford Roxo, ganhamos uma aposentadoria que não dá pra nada e comemos moela com quiabo todo dia. - Credo, eu odeio moela com quiabo. - Então, imagina como nós devemos estar sofrendo. - Faço uma idéia. - O negócio é o seguinte: se você consertar um fato que vai acontecer daqui a pouco, podemos mudar esse destininho medíocre. - Sei, sei. Mas por que o Gilberto do futuro falou com você, e não direto comigo? - Seria impossível. Nosso eu de 2062 descobriu que existem brechas na equação tempo/espaço, que permite que pessoas em períodos diversos se comuniquem. O que inclui o sujeito falar consigo mesmo em diferentes épocas. Uma dessas brechas ocorre justamente no dia de hoje, mas possibilita contato só com o ano de 1981, que é onde eu estou. E a minha brecha tempo/espaço pode fazer contato com 2008, que é onde você está. A solução seria fazer uma triangulação entre a gente. Ele se comunicando comigo e eu passando o recado pra você. Ficou claro? Olha, eu também achei tudo muito estranho... - Ok, mas eu quero uma prova de que isso não é trote. - Ah, o Gilberto de 2062 pensou nessa hipótese e mandou logo três. Eu até anotei aqui pra não esquecer... - Diga. - Ontem você foi assistir “Juno” no cinema e ficou incomodado com um cabeção na sua frente. - Certo... - Dentro da geladeira tem um yakult pela metade, que vence daqui a dois dias. - Meu Deus... é verdade. - E você está planejando viajar pra Santa Cruz das Palmeiras na semana que vem, mas ainda não comentou isso com ninguém. Confere? ... - Tá me ouvindo? - Ah, sim. Claro. - Tá convencido agora, né? - Tudo bem, mas o que eu tenho que fazer? - Daqui a exatamente 34 segundos vão tocar a campainha aí da sua casa. Um sujeito de camiseta vermelha e cavanhaque. Esse cara vai estar com caneta e papel na mão, colhendo umas assinaturas. Não assine! Preste bem atenção: Não assine!!! Se você assinar, vai virar comedor de quiabo e moela aos 98. Seja firme, não caia na conversa dele. O melhor mesmo é nem abrir a porta, Gilberto. Olha aí, a campainha já tá tocando... - É, estou vendo o cara aqui da minha janela. Olha, não estou entendendo nada... - Leia o que tá escrito na camiseta dele. “É LULA DE NOVO, COM A FORÇA DO POVO – PLEBISCITO PELO TERCEIRO MANDATO” - Entendeu agora?
Nota do Editor: Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário em Campinas (SP), beatlemaníaco empedernido e adora livros e filmes que tratem sobre viagens no tempo. É colaborador do jornal O Municipio, de São João da Boa Vista, e tem coluna em diversas revistas eletrônicas.
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