Não há dia em que não se assista, leia ou ouça alguém afirmando que a Igreja é adversária da ciência e porta-voz do obscurantismo. A mais recente expressão desse fato estaria sendo fornecida pela atitude dos que se opõem à manipulação de embriões humanos, tema ora sob exame do Supremo Tribunal Federal. Como diria o analista de Bagé: “la pucha, que baita confusão!”. No século XIII, Santo Tomás de Aquino, o maior doutor da Igreja, ensinava que a vida humana iniciava aos três meses de gestação, sendo, portanto, admitido o abortamento antes desse prazo. Foi a ciência, ao desvendar o processo de fecundação do óvulo pelo espermatozóide, que tornou conhecido, e desde então nunca mais desmentido, o fato de que a vida humana inicia nesse evento. Todos os avanços da genética nas últimas décadas apenas robusteceram tal convicção. O embrião constitui uma identidade humana nova, diversa da identidade do pai e da mãe. Aliás, não é por um lapso que a Lei de Biossegurança chama “genitores” e não “proprietários” os doadores do “material genético”. Eles não são meros donos de uma coisa qualquer. O que, aliás, é pena. Talvez, se fosse coisa, resultasse objeto de maior respeito. Não tem como haver contradição entre a posição da Igreja e esse conhecimento porque não existe matéria revelada sobre o pontapé inicial do jogo da vida. Portanto, se e quando a ciência alcançar convicção diversa daquela que hoje apresenta como exata e evidenciar que a vida humana começa, por exemplo, quando surgem as unhas do feto ou os dentes do bebê, a Igreja não terá qualquer dificuldade de acompanhar essa nova posição, como não teve em abandonar o ensino de Santo Tomás a respeito do tema. Outra confusão se estabelece quando se tomam a religião e o Direito Natural como uma coisa só, ou como se este fosse subproduto daquela. Não é assim. O Direito Natural era um ramo da filosofia da antiguidade clássica grega, que foi assumido pelos pensadores cristãos a partir de sua redescoberta na Alta Idade Média. Como filosofia, o Direito Natural não se confunde com a religião porque, enquanto esta tem suas bases na Revelação, a filosofia busca tão-somente a verdade pela luz natural da Razão. É por este exclusivo caminho, aliás, que transitam as correntes de opinião que se opõem ao aborto e à manipulação de embriões humanos. Outra, ainda – veja quantas! –, é a confusão segundo a qual a existência de opiniões coincidentes com o Direito Natural, no âmbito da sociedade, constitui agressão ao princípio da separação entre Igreja e Estado. A defesa da vida não é uma posição de Direito Natural por ser da Igreja, mas é da Igreja por ser de Direito Natural. É uma posição da razão e não da fé porque, em toda essa pauta, o único assunto que se constitui em ensino da fé é a dignidade que a natureza humana adquire com o advento de Cristo. Mas esse princípio não pede lugar no Direito Positivo. É uma pena que o Direito Natural, tão profundamente comprometido com a dignidade humana, esteja cada vez mais refugiado no ambiente católico. Como decorrência, escancaram-se as portas para condutas degradantes e abusivas, e cresce o risco da manipulação genética do ser humano. Sempre haverá quem o pretenda, em nome da ciência. E sempre haverá quem o defenda, em nome dos muitos interesses em jogo. No entanto, quem está, de fato, comprometido com a verdade e apenas com a verdade? Nota do Editor: Percival Puggina (www.puggina.org) é arquiteto e da Presidente Fundação Tarso Dutra de Estudos Políticos e Administração Pública. Conferencista muito solicitado, profere dezenas de palestras por ano em todo o país sobre temas sociais, políticos e religiosos. Escreve semanalmente artigos de opinião para mais de uma centena de jornais do Rio Grande do Sul.
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