"A individualidade sobrepuja em muito a nacionalidade e, num determinado homem, aquela merece mil vezes mais consideração do que esta." (Arthur Schopenhauer) Para o economista austríaco Ludwig von Mises, o pior inimigo do pensamento claro é a propensão à hipostatização, ou seja, atribuir existência real aos conceitos e constructos mentais. Um exemplo evidente disso está no conceito de sociedade. Uma sociedade não é nem uma substância, nem uma força, nem um ser que age. Apenas indivíduos agem. A cooperação de indivíduos gera um estado de relações que o conceito de sociedade descreve. Mas a sociedade não existe separada dos pensamentos e ações das pessoas. Ela não tem "interesses" e não objetiva nada. O mesmo vale para todos os outros coletivos, incluindo nação. A hipostatização não é apenas uma falácia epistemológica. Para Mises, ela é usada nas ciências sociais para servir às aspirações políticas de determinados grupos, colocando no coletivo em questão uma importância e dignidade superiores àquelas atribuídas aos indivíduos. Estes passam a ser simples meios sacrificáveis para o objetivo maior. A propaganda socialista conseguiu criar nos termos "sociedade" e "social" uma aura de santidade que se manifesta por uma estima quase religiosa. Os fins "sociais" justificam quaisquer meios, mesmo que em nome da abstração, os seres concretos sejam eliminados ou sofram. O nacionalismo, outra forma de coletivismo, faz a mesma coisa. Pelos "interesses nacionais", tudo é desejável, mesmo que o preço seja o sacrifício de indivíduos. Com isso em mente, podemos analisar melhor a falácia do conceito de renda nacional. Para Mises, tal conceito oblitera totalmente as condições reais de produção dentro de uma economia de mercado. Este conceito parte da idéia de que não são as atividades individuais que geram o avanço ou regresso da quantidade de bens disponíveis, mas algo que está acima e fora dessas atividades. Esse ente misterioso produz uma quantidade chamada "renda nacional", e depois um segundo processo "distribui" esta quantidade entre os indivíduos. O significado político desse método é óbvio. Os coletivistas criticam a "desigualdade" existente na "distribuição" da renda nacional, e demandam a concentração de poder arbitrário nas mãos dos "clarividentes" que irão distribuir essa renda de forma mais "justa". Se alguém questiona quais fatores permitem o aumento da renda nacional, a resposta deverá ser: a melhoria dos equipamentos, das ferramentas e máquinas empregadas na produção, por um lado, e o avanço na utilização dos equipamentos disponíveis para a melhor satisfação possível das demandas individuais, por outro lado. O primeiro caso depende da poupança e da acumulação de capital, o segundo, das habilidades tecnológicas e das atividades empresariais. Se o aumento da renda nacional em termos reais é chamado de progresso, devemos aceitar que este é fruto das conquistas dos poupadores, investidores e empreendedores, cooperando voluntariamente numa economia de mercado. Segundo Mises, o foco na "renda nacional" é uma tentativa de fornecer uma justificativa para a idéia marxista de que no capitalismo os bens são "socialmente" produzidos e depois apropriados por alguns indivíduos. Este approach inverte tudo. Na verdade, os processos produtivos são atividades de indivíduos cooperando uns com os outros. Cada colaborador individual recebe aquilo que os demais, competindo entre si no mercado, estão preparados para pagar por sua contribuição. Não existe razão, além do interesse político, para somar estas rendas individuais dentro do conceito de "nação" e não num contexto coletivo mais amplo ou restrito. Por que não renda do bairro, ou do município, ou do continente ou do globo? É possível concordar ou não com os objetivos políticos, mas não é possível negar que o conceito macroeconômico de renda nacional é um mero slogan político sem qualquer valor cognitivo. O nacionalismo é um dos coletivismos mais perigosos que existem, como Hitler e Stalin podem comprovar. Toda a mentalidade mercantilista é fruto desse coletivismo também. Achar que a importação "nacional" é ruim e a exportação "nacional" é desejável é um absurdo total, resultado desta mentalidade. A existência de empresas estatais para lutar pelos "interesses nacionais" é outra enorme falácia resultante desse coletivismo tosco. O "orgulho nacional" é mais um grave sintoma desse nacionalismo bobo, uma "doença infantil", como disse Einstein. O conceito de "justiça social", que prega a distribuição forçada de renda dentro de uma nação, é mais um exemplo desse coletivismo que ignora a menor minoria de todas: o indivíduo. Em economia, o que importa é a ação humana. Esta será sempre individual. Os dados agregados podem servir para estudos estatísticos, mas não para a compreensão da praxeologia, o estudo da ação humana, que é uma ciência apriorística. E esta representa a escolha de meios para determinado fim, que é sair de um estágio de menos satisfação para outro de maior satisfação. Somente um ente concreto possui tais metas e pode agir: o indivíduo. O grande inimigo da ação humana e, portanto, do progresso, é a idéia coletivista que escraviza o indivíduo, delegando o planejamento de suas ações a algum ente coletivo qualquer. Este ente, através da hipostatização, passa a ser visto como o ente real, enquanto cada indivíduo é que se transforma numa abstração. O controle do planejamento, no entanto, passa a ser exercido por alguns poucos indivíduos poderosos. Não existe ação fora dos indivíduos. Em nome da "renda nacional", alguns indivíduos da nação assumem o controle total, enquanto todo o restante se transforma numa simples marionete. Nota do Editor: Rodrigo Constantino é economista formado pela PUC-RJ, com MBA de Finanças no IBMEC, trabalha no mercado financeiro desde 1997, como analista de empresas e depois administrador de portfólio. Autor de dois livros: Prisioneiros da Liberdade, e Estrela Cadente: As Contradições e Trapalhadas do PT, pela editora Soler. Está lançando o terceiro livro sobre as idéias de Ayn Rand, pela Documenta Histórica Editora. Membro fundador do Instituto Millenium. Articulista nos sites Diego Casagrande e Ratio pro Libertas, assim como para os Institutos Millenium e Liberal. Escreve para a Revista Voto-RS também. Possui um blog (rodrigoconstantino.blogspot.com) para a divulgação de seus artigos.
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