Não, não se trata do efeito estufa, e nem do aquecimento global. Ou, por outro lado, há até conexões. Vou tentar explicar, mas não vai dar certo. Compreendam. Ando com alguma dificuldade em me concentrar. Fico até preocupado. Muitas ocupações muito diferentes e simultâneas, durante muito tempo ininterrupto. Não poderia dar em boa coisa mesmo. Depois de certo intervalo, acho que algo em torno de dois anos, você começa a sentir os primeiros sintomas. Se as atividades pudessem ser de alguma forma relacionadas, tudo andaria melhor. O que atrapalha é o fato de ter que trabalhar com coisas que não têm nada a ver com o que você escreve e, de quebra, gostar de escrever acerca de assuntos que nada têm a ver com o que você trabalha. No final, vira tudo trabalho, porque você não vai sair por aí escrevendo besteiras e assim correr o risco de passar por, sei lá, até mesmo jornalista. Já pensou? O horror, o horror. E a coisa tende a se agravar. Notei que, com mais freqüência do que nunca e muito mais vezes do que sempre me pareceu admissível, venho entregando-me a exercícios de livre associação absolutamente improdutivos. Mesmo assim, é forçoso dizer: prometi e tenho que cumprir, pelo menos, a tentativa de dizer algo que faça sentido e que diga respeito ao título. Vou falar sobre carros e gases e, de quebra, o efeito estufa será apenas ladeado pela conversa. O aquecimento global, idem. Como? Não sei direito. Por exemplo: dia desses cismei com nomes de carros. Passei horas e horas encaixando diversos dados que, sob o olhar do homem saudável, deveriam permanecer desencaixados para sempre. Dentre outras coisas, convenci-me de que é alto o número de fabricantes de automóveis ou de modelos de automóveis cujo nome nos soa flatulencial. É sim, é sim. Vejam isto: volks. Volks. Não parece um daqueles peidos grossos, baforentos, todavia secos com os quais, vez por outra, topamos por aí? Compreendam a coisa: volks é diferente de scort. Scort. Esse é daqueles que não raro se fazem acompanhar por qualquer coisa que o vulgo decidiu chamar de "aquela freada". Landau. Não há dúvidas. O pum landau ocorre quando a cueca (sim, meninas não fazem pum), toda melada, precisa ser substituída e rápido. Fusca. Repitam comigo: Fus-ca. Típico de elevador. Perigoso, quando discreto. Dificilmente se pode responsabilizar quem quer que seja pelo flato fusca. O mesmo não se pode dizer do corsa. Corsa, sobretudo se pronunciado por um caipira, é o típico peido que escapa vibrante da calça jeans, pegando o inocente autor de surpresa e sempre com bastante barulho. Normalmente, resume-se a alarme falso: não chega nem a feder. É só o susto: o camarada ali, conversando com a menina do DP, no trabalho, e de repente todos se deixam surpreender: CORSA! E pronto, passou. Algumas boas gargalhadas e vamos voltar a falar sobre o vale-transporte dos terceirizados. É isso aí. Peugeot. Não dá nem para discutir: úmido, cheio de bolhas, peugeot é o som dos gases que prenunciam as grandes desgraças sanitárias. Louças de todo o mundo, tremei: peugeot está chegando! Não se trata de um miserável kia, seco e insosso, incapaz de persistir por mais de cinco ou dez segundos. Tampouco é o clássico toyota, poderoso, mas breve e sincero como os alertas prudentes que se prestam antes a urgir providências do que a anunciar estragos-relâmpago incontornáveis. Ora, estamos falando de um peugeot, portador das mais francesas tradições de fedentina. Sabem como é. O fixador é o segredo. Isso sem falar nos utilitários, como o land rover. A bufa land rover é parente do extinto eflúvio landau, mas, como tudo que é novo, é maior e mais escandaloso. Depois de land rover, já não basta trocar a cueca: há que se livrar dela, para sempre. O sujeito, na maioria dos casos, não pode alegar surpresa. O land rover costuma atacar após lancinantes padecimentos, após cólicas arrasa-quarteirão. Se a pessoa demora muito para se render e arrisca ir à rua, pode ser apanhada de maneira vergonhosa. É quando temos que descer do ônibus esbaforidos, correr em direção ao primeiro boteco que surge só para, segundos antes da salvação, ouvir algo como landrover e, daí, constatarmos que já não há mais nada a fazer a não ser lamentar os guardanapos do balcão improvisados como papel higiênico (botecos jamais possuem papel higiênico) sob os olhares de reprovação de Joaquim, o português do sapeca, frutado e oloroso twingo. Não vou nem comentar o pastoso e borrador xantia, também perigosamente francês e quase um xenical. Aliás, tenho certeza de que essa história de nomes de carros incomoda não só a mim, mas também aos publicitários das montadoras. Por isso, esse pessoal está tentando ser original: já pensou em trocar o Picasso que habita sua garagem por um Picanto? Isso mesmo: quando a mensagem não é flato-proctológica, é fálico-substitutiva, seja lá o que possam significar essas asneiras. Quando disse que meu caso era preocupante, não estava brincando. Mas acho que, no meio dessa loucura, pode haver qualquer coisa razoável. Em meu favor, alego a seguinte questão: Como se pode explicar o nome Fiat? É brincadeira, né? Fiat, está na cara, é onomatopéia daqueles peidinhos insidiosos, que mal se ouvem, porém capazes de empestear qualquer ambiente médio por até um dia inteiro. O fiat é sinal de que há mau-caráter por perto. Ninguém sabe, ninguém viu. Fiat. E só. O cheiro vai e volta, ora pior, ora menos agudo, depois mais sujo e por fim até mesmo grudento. É bem comum no frio e, freqüentemente, utilizado para intimidar chefetes, sobretudo nos serviços públicos municipais do interior. Não funciona em espaços abertos, como estádios de futebol, onde nada menos do que um volumoso, estrepitoso e curiosamente também francês Mégane (Grand Tour, por favor) pode surtir efeitos significativos. Mas, para a guerra de guerrilhas, nada é mais eficiente do que o bom e velho fiat. Nem que for Uno peido só. Desculpem-me, não resisti. A piada infame estava lá, como as bolas que o José Silvério diz que imploram aos atacantes: "me chuta, me chuta, me chuta"; de modo que, é claro, tive que "encher o pé". Foi mais forte do que eu, o que não é lá grande coisa. Mas foi. E aí está a questão dos automóveis e do efeito estufa, explicada direitinho, tim-tim por tim-tim, bem como associada à gravíssima celeuma em torno do aquecimento global e ao papel do excedente da frota movida a combustível fóssil nessa palhaçada toda. Tentei enfiar ursos polares na história, tristes e famintos num pedaço náufrago dum iceberg bonzinho, mas não achei brechas. Uma pena. Fica para a próxima. Nota do Editor: André Falavigna é escritor, tendo publicado dezenas de contos e crônicas (sobretudo futebolísticas) na Web. Possui um blog pessoal, ofalavigna.blog.uol.com.br, no qual lança, periodicamente, capítulos de um romance. Colabora com diversas publicações eletrônicas.
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