10/09/2025  03h51
· Guia 2025     · O Guaruçá     · Cartões-postais     · Webmail     · Ubatuba            · · ·
O Guaruçá - Informação e Cultura
O GUARUÇÁ Índice d'O Guaruçá Colunistas SEÇÕES SERVIÇOS Biorritmo Busca n'O Guaruçá Expediente Home d'O Guaruçá
Acesso ao Sistema
Login
Senha

« Cadastro Gratuito »
SEÇÃO
Crônicas
28/03/2008 - 12h42
Cambada de pilantras
André Falavigna
 

Ao inferno com a tralha toda. Sim, senhores: é chegada a hora de outra daquelas crônicas em que voa porcaria para tudo quanto é lado. Tudo quanto é lado mesmo. Vamos lá. Não vai ser divertido, mas pode ajudar a matar o tempo.

É o seguinte: não sou fã de FHC. Nem sou tucano. Também não acho o DEM o partido dos meus sonhos. Portanto, fico à vontade para dizer algumas coisinhas. A principal delas: o próximo membro do atual governo que, vendo o dito cujo ser pego no pulo, alegar que não há nada demais nisso porque tal pulo é, no máximo, tão alto quanto o dos governos anteriores, notadamente o menos anterior de todos, ora, minha sugestão é que apedrejemos o safado. É, apedreja em praça pública e pronto. Barbárie? OK, estou disposto a negociar. A gente pode usar estrume empedrado, que não deve matar de verdade. Mas não abro mão da publicidade da coisa, até porque não fui eu quem atirou a primeira pedra. Foram os apedrejados da hora.

O negócio é assim: se vocês estão roubando, o roubo não fica bonito porque outros já o praticaram antes, mais ou melhor, ainda que duvidemos muitíssimo dessas qualificações, sobretudo do mais e mais ainda do melhor. Se o argumento valesse para vocês, hoje, deveria valer para FHC à época em que vocês o acusavam de safadezas altamente safadas: o homem sucedia nada menos do que Collor (Itamar não conta, ninguém nem se lembra de xingá-lo), cuja antecedência, aliás, garantir-lhe-ia o direito de encarnar Ali Babá. Ora, o governo militar e seus Delfins Netos, governadores e prefeitos biônicos, seguido por Sarney, aquele monstro de decência no trato da coisa pública, precedeu o de Felando, digo, Fernando Collor. Logo, o filho de dona Leda estava habilitado a levantar umas quatro mil Dindas e, no final das contas, fomos todos injustos com o mais sapeca de nossos presidentes. FHC, por seu turno, poderia muito bem ter vendido o país todo a preço de banana, como então se jurava que estava vendendo, e tudo ainda estaria saindo barato. Afinal, todo mundo já havia roubado antes, não é mesmo?

Não, não é mesmo. Havia muita ladroagem entre os militares; toda ditadura opta, mais dia menos dia, por institucionalizar a picaretagem. A Nova República aconchegou carinhosamente tal estrutura. Collor era um espertalhão e certamente houve corrupção no governo FHC. As denúncias contra os crimes decorrentes dessa estrutura nojenta e dessa moral fedida, sobretudo após a restauração da liberdade de imprensa, constituem boa parte do noticiário político brasileiro das três últimas décadas. Muitos foram acusados de muitas coisas. Ainda assim, jamais ocorreu a nenhum daqueles réus, responsáveis diretos ou indiretos pelos desmandos, tentar se livrar das acusações, justas ou não, apelando para a suposta universalidade da bandalheira. Essa gente sempre teve, ao menos, a decência de se defender. Sempre tentaram a própria absolvição, nunca lhes passou pela cabeça absolver o crime, quanto mais sob a alegação de que sua prática é consuetudinária. Tenham a santa paciência.

Outra coisinha: há um problema com o crime é o próprio crime, não o motivo pelo qual se o comete e muito menos a pessoa que o pratica. Não me venham com conversa mole. Os outros roubavam pelo Mal, nós pelo Bem. Se fosse assim, vocês não teriam denunciado muitos dos eventuais delitos de seus antecessores, e sim se concentrado apenas nos efeitos deletérios de alguns deles. Sequer seria necessário recorrer, por retórica, aos resultados provocados por todas as irregularidades, somados, perniciosos o quanto fossem: um único pecadilho cujo resultado coincidisse com os desígnios do Bem deveria corresponder a uma denúncia a menos, e ponto final. Portanto, se quiserem partir para essa baixaria, antes me ofereçam uma amostra do seguinte: quais os crimes que se deixou de dedurar em, sei lá, Itamar Franco, porque se concluiu que seus resultados seriam benéficos? E nos outros governos? Nenhum que se possa assumir, pois não? Porque sempre tivemos claro que a corrupção é um mal em si, não é assim? Ou existe safadeza boa e safadeza má? Ou a safadeza só o é conforme o ponto de vista, ajustado segundo as finalidades não para as quais se as comete, e sim para as de quem as comete?

Haveria aí algum tipo superior de ser humano a quem se concederia a prerrogativa de meter a mão na nossa suada bufunfinha? Acho que não temos ninguém muito disposto a defender isso em público, certo? Então, estamos combinados: o que era porcaria antes e nos outros, é hoje e para nós e será depois e para todo mundo. Vamos esquecer a bobagem dos fins que justificam os meios, fingir que ninguém disse nada e tocar a vida como gente normal.

É gatuno? Dança. Ah, mas houve outros gatunos. Não quero saber, não mude de assunto, vá se virar com isso pelos meios e no momento que dizem respeito aos homens de bem, não aos gatunos. Ah, mas era um gatuno bem-intencionado, bonzinho, puro de coração e eficiente, cujas gatunices estão gerando os maiores progressos progressistas. Ora, já combinamos que assim não se pode conversar entre adultos, não é mesmo? Vamos lá: devolva o distintivo, o cartão Visa e vá para o canto da sala. Nariz pra parede. Assim. Quietinho. Opa, não está bom ainda? Há dúvidas? Há sugestões? Muito bem. Aprofundemo-nos. Vamos brincar o seguinte jogo:

Vamos fingir, por um momento, que se pode obter coisas boas praticando-se atos maus. Mais ainda: vamos admitir essa baboseira de que “é todo mundo ladrão igual”, como se ela pudesse ser verdadeira e como se, ainda que não o fosse, pudéssemos atribuir-lhe qualquer significado. Compreendo, é difícil. Mas é só por um tempinho, de mentirinha, não precisam ficar com medo de se acostumar. Assim, a gente também pode assumir que o problema não é o roubo, mas quem o pratica. Quando praticado por figuras mal-intencionadas, resulta em coisas inadmissíveis. Quando praticado por figuras bem-intencionadas, resulta em coisas desejáveis e até necessárias. Eu sei, nesse ponto a coisa começa a ficar engraçada e é difícil continuar a brincadeira sem rir. Mas segurem-se. Compensa, no final.

Vejam só: tudo isso tomado por verdadeiro, chega-se à conclusão de que os atos bons e maus, em si, não querem dizer nada de bom ou mau, só de atos. Não roubar e com isso impedir a consecução de projetos tidos como bons é mau, roubar para levá-los a cabo é bom. Tudo bem, é forte a tentação de dizer que seria mais fácil produzir o Bem pelas vias regulares e evitar os riscos inerentes ao roubo, mas daí a brincadeira acaba. E ainda não é a hora.

A hora só chega quando notamos que o bonito é que, se não há diferença entre a natureza dos meios, somente entre a dos objetivos, e se todos que têm qualquer objetivo têm recorrido sempre aos mesmos meios, dispensando-se de perseguir o que quer que seja sem entregar-se a irregularidades, nós temos que extrair disto pelo menos duas conclusões necessárias: a primeira é que o pessoal que ora nos governa passou anos acusando os rivais de algo que eles mesmos tomam por nada, e, pior, nos dizendo que lhes era tudo; a segunda é que, sendo esse pessoal apto a realizar o Bem independentemente dos mecanismos dos quais lance mão, então o importante não é o que eles estão fazendo, e sim que são eles a o fazer, e não os outros. Donde se conclui que, caso estejam a nos governar mediante o roubo, o entreguismo, a desonestidade intelectual e a mais completa amoralidade, ou caso estejam a nos governar sob as luzes da probidade, da racionalidade administrativa e da sinceridade, nada disso nos diz respeito; só o que nos diz respeito é que o objetivo bom é que eles governem, compreendem? Ainda seguindo essa linha, aliás inescapável, tudo o que for feito é feito para o nosso bem: cada estupro ao caixa, cada puta paga com seu dinheiro, cada mamata concedida a este ou aquele companheiro, tudo isso contribui para o seu bem, qual seja: ser governado por determinadas pessoas nomeadas para trazer luz ao mundo, e não por outras, acusadas de trazer luz somente a si mesmas. Mas não é só isso. A coisa precisa piorar porque, se é assim, quanto mais, melhor: nada impede que as benfeitorias se dêem por atos ordinariamente tomados como certos, mas já que essas avaliações não possuem substância real, qualquer ato é um ato bom e quanto maior for o volume de atos, mais Bem obteremos. Como, historicamente, os atos fora da lei são mais eficientes, seria mesmo o caso de se dobrar o tamanho das cuecas para fins de promoção da justiça social.

Bom, acabou a brincadeira. Não, não vou tirar ninguém do castigo. Foi didática, a coisa? Se sim ou se não, não quero mais saber. Estamos num país onde se acredita que falar sério é coisa de malandros, ao passo que mentir é a arma dos justos. Perdi o saco. Vão pro inferno. Não quero mais saber de conversar com gente que não está disposta a se levar a sério.

Só me chamem quando for para usar o estrume. Não acho que vá demorar muito, e aguardo empolgado a ocasião. Até lá.


Nota do Editor: André Falavigna é escritor, tendo publicado dezenas de contos e crônicas (sobretudo futebolísticas) na Web. Possui um blog pessoal, ofalavigna.blog.uol.com.br, no qual lança, periodicamente, capítulos de um romance. Colabora com diversas publicações eletrônicas.

PUBLICIDADE
ÚLTIMAS PUBLICAÇÕES SOBRE "CRÔNICAS"Índice das publicações sobre "CRÔNICAS"
31/12/2022 - 07h23 Enfim, `Arteado´!
30/12/2022 - 05h37 É pracabá
29/12/2022 - 06h33 Onde nascem os meus monstros
28/12/2022 - 06h39 Um Natal adulto
27/12/2022 - 07h36 Holy Night
26/12/2022 - 07h44 A vitória da Argentina
· FALE CONOSCO · ANUNCIE AQUI · TERMOS DE USO ·
Copyright © 1998-2025, UbaWeb. Direitos Reservados.