Semifinal em Pipeline, Hawaii (Oahu), o templo sagrado do surf. Rob Machado e Kelly Slater disputavam onda a onda, tubo a tubo, o título mundial. Para Kelly, só a taça do Pipemasters traria este. As notas eram todas high score. Mas, o que mais impressionou não foram as incríveis notas dez do Kelly, nem a sua vitória na final sobre Occy em seu fantástico retorno, mas sim, uma onda de Machado, onde ele entubou de frontside para a esquerda, bem deep e em um estilo totalmente cool: mão na parede, joelhos juntos, saindo com a baforada e corpo inclinado para trás. Kelly comemora com os braços para cima e grita: - Give me five! (Vem de cinco!), dando um tapa na mão de Machado ao sair do tubo. Mais importante que o título era a amizade dos dois. Lembrei de um mar muito liso no Módulo (Ipitanga), bem cedinho, por volta das 05h30 da manhã, em que desci com a minha 5’8" numa direita de cinco pés perfeita e vi os meus amigos, Ricardo, Lula, Kamikase e Galo, cegos, gritando no canal enquanto eu cavava na base com os olhos mirando o lip para fazer o que mais gosto, rasgar chutando a rabeta da prancha para a frente e enterrar a borda que nem o Occy. Logo atrás, veio o Fábio de backside com sua 6’0" em uma direita igualzinha a minha. Êxtase! Kelly, continuava dando o seu show particular no Kaiser Summer surf, meio da Barra (RJ), oito pés fechando tudo (Almost over control!). Nuno Junnet gritava emocionado com seu sotaque lusitano: - É ele que vem, KS, o penta (ainda não era octa!) campeão remando na onda... Kelly fez um drop insano, cavou bem cool colocou para dentro com as mãos para trás e depois de longos quatro segundos saiu com a baforada. Eu e toda a praia levantamos da areia urrando como loucos, como se fosse o maracanã lotado em final de campeonato. Como se não bastasse, na mesma onda ele cavou novamente e em um floater absurdo despenca num buraco cavernoso de oito pés! (2,5 m!). A praia vai ao delírio novamente. Kelly, o fenômeno, é aplaudido de pé! Semana passada, em um dia bem frio, cinzento, vento forte, mar mexido com uns seis pés, passei a parafina na 5.8’. Poderia ter entrado com a 6.4’, mas optei pela menor, pois apesar de pequena ela tem uma borda bem grossa e é muito larga, oferecendo uma boa remada, além do que, estaria caindo no quintal de casa, na escada quebrada (um secret!). Eu e aquela esquerda possuímos uma simbiose perfeita! Sorri sozinho lembrando do doce contato dos lábios da minha namorada, e do seu olhar meigo. Dropei confiante uma esquerda bem forte. Uma mão na borda e outra na parede fixando a base. Completei um dos melhores drops da minha vida e gritei adrenalizado! Psicodelismo puro... A lua cheia emergindo do mar, nascendo dourada, reflexo do sol que se punha do outro lado no meio do coqueiral e as tartarugas e gaivotas eram minha únicas companhias... À medida que o sol se punha, o satélite crescia majestoso deixando seu facho prateado como único guia a mapear o caminho mágico das ondas, como a ponte do arco-íris dos deuses asgardianos. Paz, calma, tranqüilidade, silêncio, plenitude... Algo como o som zem de um saxofone, do jazz, mas ao mesmo tempo intenso como a guitarra de Otherside ou belo como a energia do Bono em Where the Streets have no names... A chuva caia na escuridão da noite trazendo o frio e mais uma esquerda perfeita de quatro pés, sem a luz da lua que havia sido encoberta pelas nuvens. Drop por instinto, vários round house cut backs em uma linha harmoniosa de back side sem enxergar nada. Joelhos juntos que nem o Luke Egan! Madrugada ouvindo o Capital Inicial. Meu estado mental era algo semelhante ao Nirvana... Lembrava das imagens que havia assistido a poucas horas do campeonato em Teahupoo, dos tubos impossíveis do Kelly, da sua incrível virada nas oitavas de final em cima do Bruce com um drop no vazio colocando o cara em combination. Do êxtase na final com duas notas dez e o seu show particular com rasgadas, floaters, of the tops, coroado com o tubo de backside tomando uma Foster! Era difícil conciliar o pensamento com a música, os flashbacks das ondas, as imagens do Kelly, o lindo rosto, o beijo daquela linda garota! De todas as ondas, nenhuma foi, tão deep, intensa, perfeita, surreal, forte e poderosa... A saída do tubo com a baforada e o barulho ensurdecedor é a magia do seu toque de feiticeira cigana... Nota do Editor: Fabrício Meneses Fernandes tem 36 anos e é formado em Turismo, pós-graduado em Metodologia do Ensino Superior e Inglês. É professor, diretor de marketing da Fag Informática e colaborador dos sites Waves.Terra, Fama Assessoria, Surf Bahia e do jornal Taking Surf.
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