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SEÇÃO
Crônicas
03/04/2008 - 15h26
O amor estava à ponta dos dedos
Eduardo Murta
 

Há uma pena solitária, reparem, mergulhando vagarosa por entre os vãos dos edifícios da Praça da Savassi. Seria uma penugem, e nada além, não fosse o refúgio que a acolherá nos segundos à frente. Mirem e percebam, agora, quem vem lá. Sílvia. Exala amor e bom-humor, num Djavan cantarolado em jeito tão natural, que chega a ser sublime, sem que exatamente bela seja. É insinuante, porém.

É neste exato instante em que de executivos a engraxates namoram sua travessia, lembrando torcedores farejando gol, que o inusitado se dá. A pena, ela, vai aninhar-se mansa junto ao decote, blusa amarela realçando seios que eram cartões nobres de visita. Parou, súbito, como houvesse mastigado uma pedra ao arroz. Devassável, todos a esquadrinhando.

Não se abalaria. Ao revés. Viu naquilo, como via em ocasiões assim, sinal de novidade sã. Deu de gargalhar. Primeiro, por pura cócega. Depois, por contentamento. Até que lhe doesse a barriga. Fosse por mero histórico, riria de nada: 44 anos, oito casamentos, todos interrompidos - frisava sempre - por convicção própria. Acreditavam poucos, mas era mulher que não perdera a fé na vida.

E a cena dessa manhã lhe fizera visitar certezas delicadamente esculpidas na conta do querer. Ficou ali por minutos, ao centro da praça, porque não queria se afastar daquelas sensações. Um 12 de junho - às favas os que ironizassem seu romantismo cor-de-rosa -, um acontecimento peculiar, a lembrança imediata de um vestido de noiva. E do rosto sedutor de Bruno embriagando-lhe a memória. Três semanas sem relação, e o casamento já marcado.

Guardou a peninha como a um talismã. Planos de dividir sonhos com o amado de plantão. E o souvenir serviu como abre-alas para um Dia dos Namorados inteiramente dedicado aos afazeres do amor. Noite adentro, os perfumes e o suor ganhando cheiros transformadores. Ora volúpia, ora candura dando ritmo ao encontro. A ponto de se prometerem eternos por repetidas e quase tatuadas vezes.

Sílvia cada vez mais segura de que aquele, embora nono, seria casamento definitivo. E que, por fim, poderia pensar em filhos. Quatro meses mais tarde, primavera se anunciando, e aquela gentileza clássica começaria a mudar. Um aniversário sem flores no despertar. Ficaria pior: sem que ele sequer se recordasse da passagem. Um telefonema frio, uma reunião prolongada de trabalho, um jantar de negócios.

Relevou, em nome de um bem que julgava maior. Confirmou aluguel de sítio, prataria, buffet, padre amigo da família, porque abençoar era essencialidade da qual não abria mão. E encomendou decoração em que girassóis, soberanos, e beijinhos, em sua encantadora simplicidade, dariam cor e significado à celebração.

Agendou costureira e regulou nas dietas, a que o vestido de noiva se moldasse espontâneo ao corpo. Queria um pérola discreto. E lá estava ela experimentando. Um giro, um sonho ao espelho, uma folga à cintura. Os alfinetes de Cândida serão providenciais. Mais que isso. Se converterão emblemáticos. A ponta trespassando uma das falanges e deixando cinco gotas de sangue se assentarem, em assumido contraste, ao tecido.

Sílvia se assusta, se retrai, dois passos para trás. E enxerga símbolos para além da casualidade naquilo. Toma as mãos de uma Cândida, trêmula, leva os dedos aos lábios, a estancar a sangria. E dá com aqueles olhos, aquela boca, aquela respiração se acelerando. Uma entrega inevitável. Era amor chegando em nova tradução. Que abençoado fosse.


Nota do Editor: Eduardo Murta é jornalista, autor de "Tantas Histórias. Pessoas Tantas", livro lançado em maio de 2006, que reúne 50 crônicas selecionadas publicadas na imprensa. É secretário de Redação do jornal Hoje em Dia, diário de Belo Horizonte. Já teve passagens também pelos jornais Diário de Minas e Estado de Minas, além de Folha de S.Paulo e revista Veja. É um dos colunistas do Hoje em Dia (www.hojeemdia.com.br), onde publica às quartas-feiras.

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