Nos ensina o grande místico espanhol São João da Cruz que uma alma virtuosa sozinha e sem mestre é similar a um carvão em brasa apartado das chamas: vai-se esfriando, gradativamente, ao invés de inflamar-se. E muitas são as almas talentosas e virtuosas. E imensa é a solidão em que muitas se fiam. Todavia, não estamos falando da mera solidão física, de um indivíduo apartado da companhia dos seus. A solidão que estamos a chamar a atenção sob a luz das palavras joaninas é o abandono humano da Verdade deixando-se guiar em meio a turbulência do cotidiano hodierno que faz-se repleto de falsos mestres que entoam pseudo-verdades. Para nós, em nossa imensa insignificância, julgamos que é impossível se ter uma orientação sólida quando se desdenha a Verdade. Não estamos aqui nos autoproclamando detentores Dela, mas sim, nos declarando como modesto e indigno investigador que procura incansavelmente a sua imagem para uma modesta contemplação. E a esta procura, nós podemos dar dois nomes muito simples que é o estudo e o magistério do que é fruto deste estudado. É bem provável que uma e outra pessoa ao lerem essas turvas linhas poderão afirmar que não crêem na existência de uma única Verdade e que, no lugar desta crença, eles afirmam a existência de várias verdades ou, a verdade de cada um. Muito bem, eis aí um dos erros mais corriqueiros da sociedade moderna que consiste simplesmente na parva confusão entre a nossa percepção da realidade com a realidade em si. Por mais distorcida que seja a nossa percepção do mundo, da realidade a nossa volta, a vida continuará a ser o que é. Por mais que tenhamos uma percepção mesquinha da Verdade, ela continuará a reinar em seu esplendor, mesmo que sejamos incapazes de percebê-la. Mortimer Adler em um ensaio, publicado nos idos dos anos 50, intitulado “Os adultos podem aprender?” (tradução livre), lembra-nos de um detalhe muito simples que, por teimosia, ou outra variável qualquer, nos recusamos a compreender. Este simples detalhe seria o seguinte: (I) o aparato cognitivo de todos os seres humanos é o mesmo em todas as partes do mundo (excetuando uma e outra enfermidade que afete este aparato) e (II) o mundo e todos os objetos que entram em nosso campo de percepção são praticamente os mesmos. Ou seja, não é que a Verdade não exista, nós é que na atualidade nos recusamos a percebê-la e, principalmente, a contemplá-la. Quando nós estudamos a história das Grandes religiões e das sociedades tradicionais o que nós chama a atenção é literalmente esse respeito pela Verdade. Aliás, o que mais chama a atenção é como culturas tão distintas em aspectos externos (exotéricos) são tão próximas em seu significado interior (esotérico). Isso se deve, justamente, a essa procura sincera pela VERITATIS. Os símbolos que fazem parte de uma determinada cultura podem muito bem diferir em sua forma, todavia, o Simbolizado é muito semelhante, justamente devido a esta busca que nós, homens modernos, desdenhamos com tanta soberba. A tradição hindu nos ensina que não existe nenhum direito superior ao direito da Verdade, pois negá-la, é negar a dignidade da vida e, em especial a singularidade da vida humana. Ensinamento este, muito similar ao que nos ensina São João da Cruz quando diz que o sábio presta atenção na obra e não no sabor e no deleite dela. Quanto a nós, “sapientíssimos” filhos bastardos da modernidade, valoramos apenas o deleite propiciado pelas palavras e imagens e afirmamos que o maior direito que há é o de sermos o que desejamos, sem sabermos claramente o que somos e muito menos o que nosso desejo quer. Mesmo assim, continuamos a nos ver como sendo membros integrantes de uma Época superior, de pessoas melhores e mais dignas, mesmo sem saber claramente em que somos mais elevados e mais dignos que as pessoas que viveram em outras Épocas. Ou sabemos?
Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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