09/09/2025  12h43
· Guia 2025     · O Guaruçá     · Cartões-postais     · Webmail     · Ubatuba            · · ·
O Guaruçá - Informação e Cultura
O GUARUÇÁ Índice d'O Guaruçá Colunistas SEÇÕES SERVIÇOS Biorritmo Busca n'O Guaruçá Expediente Home d'O Guaruçá
Acesso ao Sistema
Login
Senha

« Cadastro Gratuito »
SEÇÃO
Crônicas
10/04/2008 - 12h11
Assuntos que não me interessam
André Falavigna
 

Nunca outra época ofereceu aos seus contemporâneos tanta informação. É uma barbaridade, uma barbaridade. São muitos recursos, principalmente por conta da internet. Além das possibilidades de se transmitir fatos, ainda há que se considerar que essas mesmas possibilidades se prestam a transmitir opiniões acerca desses fatos. Isso sem falar nas versões diferentes para o mesmo fato e nas opiniões sobre essas versões, bem como nas opiniões que já trazem, no bojo, versões ainda mais diferentes para aqueles já citados fatos. Não podemos desprezar, também, as opiniões sobre as opiniões. E os fatos gerados por tantas opiniões, cuja transmissão pode se dar mediante a confecção de mil versões, todas elas implorando por opiniões sobre as quais não se pode deixar de dar opiniões mil.

Esse assunto, aliás, já está batido. Há quem se incomode com o quadro, que acredite que tal profusão de fontes mais confunda do que esclareça. Querem saber? Caguei. O palavrório vazio é um preço baixo a se pagar pela liberdade de se poder falar a cada vez mais pessoas ao mesmo tempo. Sim, eu sei: muita gente acostumada a discursar sozinha se sente, agora, acuada. A Web materializou o pior pesadelo das cabecinhas totalitárias que compõem nosso episcopado intelectual: além de as pessoas estarem pensando o que elas bem entendem, e não o que seria bom para elas, agora elas ainda podem cruzar o que elas pensam com o que as outras pessoas pensam. Tanta autonomia só pode acabar mal, compreendem? Ora, danem-se também. Vão fazer o quê? Regular a coisa? Ah, eu me divirto.

Em todo o caso, está posto o problema. Estamos todos o tempo inteiro bombardeados por notícias que nos perseguem, encurralam-nos, cercam-nos, aproximam-se e depois se fazem ouvir e pronto e acabou. Não tem muito jeito, afinal. Mesmo assim, e deixando claro que não tenho pretensões de, como é que dizem por aí? Transformar essa realidade cruel, creio que posso dar minha contribuição na forma duma sugestão eventualmente útil para os que desejem contornar o vozerio alucinante. A ela.

Desopile. Isso, isso mesmo. Desopile. Fale sobre tudo o que não lhe interessa nos termos mais baixos que lhe ocorrerem. É para isso que se inventaram os botecos, não para forjar revoluções, urgentes o quanto sejam. É simples. Vou dar exemplos, que é para todo mundo perceber que não estou só na base do façam o que eu digo, não o que eu faço. Por que sou muito cumpridor, está claro? Hein? Muito bem. Passemos às prometidas orientações práticas. Diante de interlocutores que puxem determinados assuntos, responda-lhes assim:

Não estou interessado em saber se tal ou qual alimento faz bem ou mal, e inclusive não creio que, após os episódios do ovo e da manteiga, alguém terá a cara-de-pau de nos sugerir qualquer coisa a respeito do tema. Nutrição simplesmente não é assunto de gente grande;

O homem foi à Lua e ninguém quer perder tempo com idiotas que pensam que não foi;

Há muito mais gente que não assiste Big Brother do que você imagina, portanto pare de se iludir com a história segundo a qual muitas das pessoas que execram o programa o assistem escondido. Você é um cretino e isso já deveria lhe bastar. Não precisa difamar os outros só para sentir-se menos boçal mediante a justa distribuição da merda;

Lixo-me para a previsão do tempo. Se eu quisesse uma, iria atrás. Se amanhã chover ou fizer sol, para mim dá na mesma: Palmeiras e São Paulo só se enfrentam domingo;

Isso também vale para a Nasdaq, que eu jurava ser um videogame novo. Os ingredientes da Coca-Cola devem permanecer em segredo, e a extinção das moscas laranjas de Papua Nova Guiné, em não interferindo no tabuleiro do War I, não são problema meu. Não me importo se prenderam este ou aquele ator com o nariz afundado em cinco ou dez quilos de cocaína. Se alguma cantora de axé em especial gosta muito que a sodomizem com vigor e ternura, isso também não é da minha conta. Não quero saber o que o Carlinhos Brown pensa. A respeito de nada;

Duvido muito que o desejo de saber quais as modelos que adorariam entregar-se à felação em gentileza a Denílson possam fazer parte dos motivos que levam os aficionados em futebol a comprar jornais esportivos. Que o trânsito de São Paulo tornou-se insuportável, todos já estamos fartos de saber há duas (é, duas) décadas (é, décadas). Que ninguém saiba o que fazer, sacos explodem todos os dias de tanto seus proprietários ouvirem isso. No momento em que os senhores estiverem dispostos a ouvir as pessoas que têm idéias novas a respeito do problema, nos avisem. Entrementes, enfiem vossas impressões todas aonde bem lhes aprouver, desde que não nos envolvam no processo;

O que quer que ocorra ao FMI, não há nada que possamos fazer além de estocar água, antibióticos, comida e munição, e isso na pior das hipóteses. Compreendo que a Microsoft ou o Google talvez sejam a Besta Encarnada mas, pelo barulho que ouço, acho que ninguém vai precisar de mim agora. Não estou disposto a abrir mão do açúcar e do sal refinado. É verdade que o preço das sandálias Havaianas pode ser ridículo por excessivo, mas compreendam: ninguém dá a menor bola para isso – os que compram porque compram, e os que não compram porque não compram;

Vai ser ótimo para todo mundo uma Copa do Mundo aqui, assim como o foi para todos que as fizeram. Se você tem muitos problemas com isso, ora, vá plantar batatas no asfalto. A vida pode ser boa professora, mas é péssima psicanalista. E não possui tarja, muito menos preta.

E por aí vai.

Logo, você perceberá os resultados positivos: a imensa maioria de seus semelhantes lhe achará tão antipático que evitará ao máximo contato com você. Nunca mais enviarão correntes, nem sob o pretexto de que nunca fazem isso. Ninguém mais lhe importunará com conversas que não lhe dizem respeito, não lhe interessam e não lhe dirão respeito ou interessarão jamais.

Você poderá concentrar suas atenções em quem irrita de verdade, e a arraia miúda que secunda seus tubarões prediletos já não incomodará tanto. Com o tempo, notará que sua mente terá se habituado a relevar tudo aquilo que é descartável para dar relevo a tudo aquilo que realmente interessa. Desse modo, quando precisar ofender alguém, verificará feliz que ofendeu alguém que valia a pena ofender, e não desperdiçou esforços com alvos incapazes de divertir.

Depois disso, toda vez que vir um figurão queixando-se de tanta liberdade, você vai até gostar. Ninguém se queixa de um motivo a mais para rir.


Nota do Editor: André Falavigna é escritor, tendo publicado dezenas de contos e crônicas (sobretudo futebolísticas) na Web. Possui um blog pessoal, ofalavigna.blog.uol.com.br, no qual lança, periodicamente, capítulos de um romance. Colabora com diversas publicações eletrônicas.

PUBLICIDADE
ÚLTIMAS PUBLICAÇÕES SOBRE "CRÔNICAS"Índice das publicações sobre "CRÔNICAS"
31/12/2022 - 07h23 Enfim, `Arteado´!
30/12/2022 - 05h37 É pracabá
29/12/2022 - 06h33 Onde nascem os meus monstros
28/12/2022 - 06h39 Um Natal adulto
27/12/2022 - 07h36 Holy Night
26/12/2022 - 07h44 A vitória da Argentina
· FALE CONOSCO · ANUNCIE AQUI · TERMOS DE USO ·
Copyright © 1998-2025, UbaWeb. Direitos Reservados.