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Crônicas
17/04/2008 - 17h52
Dai pão aos que resistem
Eduardo Murta
 

Serra da Saudade, mirem daqui, é um lugarejo pelo qual se daria pouco ou quase nada. Cavalos amarrados em molejo sonolento, na pracinha. Rabanando mosquitos. Calçadas em pé-de-moleque. E, imponência solitária, o sobradão de 26 janelas. Vestígio do tempo em que eram estofo da glória local. Lá se ia um terno de séculos. O que resistira por ali, assim, carregava o injusto selo da decrepitude.

Nenhum sinal das ruelas em reboliço, com mercadorias, gente e sonhos em profusão. Aquilo imitando rios caudalosos. Hoje falta até quem se habilite a dar vida ao sino da matriz. Visitas de carteiros, saibam, foram minguando, passando de semanais a quinzenais, de mensais a ocasionais. Raras. Quem sobrara era visto como sobrevivente. Seu Alonso, artesão de selas em couro, Dalila, tecelã, Do Rosário, parteira...

Ah, havia ainda Benedita, unanimidade singular: seus pães grassavam às mesas, como emblemática herança bicentenária. Mas, percebam, murchariam dia-a-dia à sombra da novidade. A indústria chegando num repente, gás abundante chamando dinheiro. E logo desembarcariam máquinas gigantes, um exército de homens (putas viriam em seguida).

E, no rastro, aquela cadeia de sanduíches que estampou seus símbolos até junto aos portais do Vaticano. Funcionários perfumados, chão escovado, ocupou seis portas do sobradão. Três meses mais, e os pãezinhos de Bené estavam se transformando em candidatos a um réquiem misericordioso. Três parcas encomendas. E só.

É ela, lado de fora, interposta à vitrine de vidro da lanchonete, conferindo meninada, povo de meia-idade e velha-guarda se rendendo ao sabor forasteiro. Engolia uma ponta de mágoa, deixou os olhos marejarem, se recolheu em quase silêncio de luto. E hibernou. Duas semanas, três semanas, as mãos se aposentando. Até que Dorinha, costureira, deu falta. Maria, benzedeira, tratou de espalhar no salão de Corbélia.

Foi tudo, contra-senso, aos moldes de uma internet sem fio. Manhã seguinte, Juvenal, barbeiro, Calixto, leiteiro, e Camila, beata, encabeçavam a fila ao portão de Benedita. Contam que ela elaborou com tamanho zelo e desprendimento, que os que provaram da iguaria tocaram o paladar do céu. Feito aquilo fosse uma bênção.

O deslumbramento, então, foi batendo a cada janela. Indo além: ganhando o canteiro de obras e, entre a molecada, assumindo ares de modernidade. Bacana era comer pão da Bené... E a rede mundial de sanduíches foi sendo devorada pelo jejum. Deu com as moscas. Fechou. É Benedita, confiram, à capa do New York Times. Sorrindo. Descrevendo como um acanhado sabor, ainda que bicentenário, pôs pimenta brava em cereja tão ilustre. Serra da Saudade, mirem, não é mais a mesma.


Nota do Editor: Eduardo Murta é jornalista, autor de "Tantas Histórias. Pessoas Tantas", livro lançado em maio de 2006, que reúne 50 crônicas selecionadas publicadas na imprensa. É secretário de Redação do jornal Hoje em Dia, diário de Belo Horizonte. Já teve passagens também pelos jornais Diário de Minas e Estado de Minas, além de Folha de S.Paulo e revista Veja. É um dos colunistas do Hoje em Dia, onde publica às quartas-feiras.

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