A economia dos Estados Unidos entrou em parafuso, o que tem suscitado três importantes questões que economistas de diversas tendências vêm procurando decifrar. Quais as causas, a intensidade e a durabilidade da crise? Em que medida afetará o mundo e, em especial, os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China)? Que medidas – blindagens - o governo brasileiro deve adotar para, pelo menos, minimizar os seus efeitos? Quanto às causas, intensidade e durabilidade dos problemas da economia americana, a cautela e a humildade nos sugerem que, por se tratar de uma crise nova, ainda não há elementos para um diagnóstico infalível e, portanto, para uma terapia com resultados garantidos. Contudo, ao mesmo tempo em que afirmo tratar-se de uma crise estrutural, ligada a aspectos institucionais, suspeito – e não me atrevo a ir além de uma simples suposição - que a crise americana seja o resultado de políticas de taxas de juros artificialmente baixas, praticadas pelo Fed durante anos a fio. A chamada Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos - desconhecida por 999 em cada 1000 economistas -, esboçada por Mises em 1912, desenvolvida por Hayek nos anos 30 e modernizada e refinada por Roger Garrison a partir dos anos 90, nos ensina que, quando os bancos centrais fixam a taxa de juros em níveis artificialmente baixos (como fez o Japão nos anos 80 e os Estados Unidos nos anos 90 e na década atual), há um efeito inicial positivo sobre a atividade econômica, caracterizado por um “boom” nas indústrias de bens de capital. Com o tempo, a renda gerada nesses setores é gasta em bens de consumo (aumenta a relação consumo/poupança, pois a expansão monetária introduz uma divergência entre as preferências individuais intertemporais e a estrutura de produção). O aumento no consumo cria um “cabo-de-guerra” entre as indústrias, ainda em expansão, de bens de capital, e aquelas, agora em expansão, de bens de consumo, o que eleva a taxa de juros e os preços nas últimas. A etapa seguinte é a recessão: o “boom” inicial transforma-se em “bust”, ou a expansão artificial em contração, com o abandono de projetos outrora lucrativos, cancelamentos de ordens de compras, demissões de trabalhadores, crescimento dos estoques e quedas de preços e rendas, principalmente nos setores de bens de capital. Se os governos tiverem paciência, vem a fase final, a da retomada com estabilidade, em que os preços das indústrias de bens de capital param de cair e o consumo diminui em resposta à queda nas rendas setoriais. Esta teoria merece atenção, por descrever melhor o mundo real do que a macroeconomia convencional. Segundo ela, crises deste tipo duram enquanto o Fed insistir com juros reais artificialmente baixos. A interpretação “austríaca” da atual crise americana deve soar estranha aos ouvidos de quase todos os economistas, porque as escolas de Economia, sem exceção, ensinam o mesmo paradigma, ou seja, o keynesiano, com suas variantes - quando não coisa ainda pior, como a visão marxista da Economia. A Teoria Austríaca dos Ciclos atribui a Grande Depressão do início dos anos 30 não a uma “insuficiência de demanda global”, como reza o keynesianismo, ou a uma pretensa série de erros do Fed, que teria permitido equivocadamente que a oferta de moeda caísse em cerca de um terço entre 1929 e 1932, como escreveu o brilhante economista Milton Friedman, mas às políticas fiscais e monetárias expansionistas que o governo americano praticou nos anos 20. Assim, para Hayek, aquela enorme recessão teria sido o preço natural a ser pago pelo expansionismo artificial de anos anteriores. Como escreveu Hayek há muitos anos, não se pode comer demais sem ter indigestão... A segunda questão importante refere-se aos reflexos sobre a economia mundial. Mais uma vez, é aconselhável ficarmos, por enquanto, no terreno das suposições. O mundo mudou muito, existe hoje uma multipolaridade bem maior, haja vista que o peso dos Brics na economia mundial quase que duplicou na última década, para não falarmos das economias asiáticas e da União Européia. Haverá, sim, reflexos, mas não temos, ainda, como os avaliar. Qualquer tentativa nesse sentido, por mais sofisticados que sejam os modelos matemáticos utilizados, não passará de mera adivinhação ou até prestidigitação. Por fim, quanto às medidas a serem tomadas pelo governo do Brasil, há dois tipos: o primeiro é o arsenal heterodoxo, com desvalorizações do real, restrições à entrada/saída de capitais e ao crédito e mudanças na taxa Selic, por exemplo. Todas essas medidas seriam meras bandagens. O segundo – que vislumbro como o correto, como a verdadeira blindagem – é estrutural: as reformas do Estado – política, tributária, sindical, previdenciária, administrativa e desregulamentação, entre outras. Porém, em ano de eleições municipais e com a visão torta que os petistas ora no poder têm a cerca do papel do Estado, é melhor crermos nos contos da Carochinha. Por isso, já que as reformas certamente não andarão para frente, o governo deve deixar o câmbio flutuando, a taxa de juros real onde está (pouco abaixo de 7% ao ano) e, para conservar o ritmo de crescimento do PIB mantendo a inflação na meta de 4,5% para este ano, ao invés de restringir o crédito, reduzir a relação entre os gastos do governo e o PIB. Isto permitiria reduzir nosso calcanhar de Aquiles, a relação dívida interna líquida/PIB que, aliás, vem caindo desde 2001, quando era de 53%, para os atuais 41%. Quanto à nossa situação externa, a epidemia de dengue e a inacreditável atitude de passividade diante dela do prefeito carioca inquietam mais, pois temos cerca de US$ 200 bilhões de reservas internacionais. A verdade é que a economia brasileira em 2008 está com indicadores bem melhores do que em 2001, graças a um fato inegável: as políticas monetária e cambial do Banco Central de Henrique Meireles são, a rigor, as mesmas praticadas pelo Banco Central de Fernando Henrique a partir de 1999, quando Armínio Fraga presidia a instituição. A política fiscal, contudo, piorou, devido ao avanço irresponsável dos gastos públicos, apesar da queda observada na relação dívida interna/PIB. Mas, tal como na parábola da comilança e da indigestão, a irresponsabilidade de hoje só se manifestará em crise amanhã. Em suma, por ora, não há motivos para grandes preocupações. O Banco Central do Brasil vem agindo corretamente. Nossas fraquezas não são monetárias nem creditícias e nem tampouco cambiais, mas fiscais e institucionais. Nelas é que está a blindagem correta. Nota do Editor: Ubiratan Iorio (www.ubirataniorio.org) é Doutor em Economia pela EPGE/FGV. Diretor da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ (2000/2003), Vice-Diretor da FCE/UERJ (1996/1999), Professor Adjunto do Departamento de Análise Econômica da FCE/UERJ, Professor do Mestrado da Faculdade de Economia e Finanças do IBMEC, Professor dos Cursos Especiais (MBA) da Fundação Getulio Vargas e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Coordenador da Faculdade de Economia e Finanças do IBMEC (1995/1998), Pesquisador do IBMEC (1982/1994), Economista do IBRE/FGV (1973/1982). Presidente-Executivo do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista (CIEEP). Diretor-Presidente da ITC - IORIO TREINAMENTO E CONSULTORIA.
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