Bar Savoy, de Edilberto Coutinho, não é o primeiro nem o último livro de homenagem a um bar. Mas para um, o do Recife, na Avenida Guararapes, número 147, foi o primeiro, e podemos até dizer, o primeiro sem segundo. Projetado para celebrar os 50 anos do Savoy, que nascera em 1944, o livro foi lançado em 1995, um ano depois do cinqüentenário, e poucos meses depois do falecimento de Edilberto. Sorte nossa, não da morte do autor, mas das páginas que antes de morrer ele nos legou. Esse livro clama ser reeditado, porque a memória desse bar deveria ser retida por todo pernambucano de origem ou formação. Nele passam gerações de intelectuais, escritores e artistas que honram qualquer cidade do mundo. Os broncos acudiriam logo pelos nomes de Sartre e Rosselini, que um dia foram às mesas do Savoy. Mas com todo respeito e débito ao filósofo e ao cineasta, não digo que passaríamos bem sem eles - o nosso espírito rude e selvagem jamais chegaria a tanto -, mas digo que Sartre e outros apenas se somaram a esta, vá lá, com o devido perdão da palavra, a esta plêiade: Aloísio Magalhães, Osman Lins, Ascenso Ferreira, Hermilo Borba Filho, Ariano Suassuna, Capiba, Lula Cardoso Ayres, Vicente do Rego Monteiro, Abelardo da Hora, Francisco Brennand, Mauro Mota, João Cabral, Gilberto Freyre... e para o gosto particular do Savoy e dos recifenses mais líricos, a sua maior estrela: o peso-pluma Carlos Pena Filho. Que não era tão suave quanto parecia, a julgar por uma das anedotas saborosas do livro. Carlos Pena, o anjo, assim aconselhou ao deputado Murilo Costa Rego, que estava em apuros diante do reacionarismo dos colegas na Assembléia, porque o deputado viajara a Cuba: "Responda-lhes: hospedei-me num hotel escaleno, defronte a uma praça isósceles". A história não registra até hoje como reagiram os triângulos legislativos. Em outra oportunidade, o poeta puro, como a provar que pureza somente há nas mais loucas abstrações, chega ao Savoy e conta que talvez não tivesse se saído bem em uma prova oral no curso de Direito. "Enrolei na resposta, e o professor, desconfiado, me perguntou onde eu ouvira tal coisa. Eu respondi, mestre, isso está no tratado do famoso scholar de Harvard, Frederick Zinneman". Essa resposta fora dada porque naqueles dias estava em cartaz no São Luiz o filme Matar ou Morrer, de Fred Zinneman. No outro dia, Carlos Pena recebeu um recado no Savoy, por meio de Samuel McDoweel, professor da Escola e colega de chope: "O teu professor me disse: ’olhe, diga ao rapaz que ele passou. Mas que eu também vou a cinema’". De Mauro Mota, grave poeta das Elegias, o livro mostra algumas quadras escritas em guardanapos, uma das quais impublicável. Mas não resistimos a copiar um verso de um autor, segundo Edilberto Coutinho, absolutamente desconhecido: "Rocemos suavemente o cu nas ostras...". Rabelais não faria melhor. Que bela geração!, assim se referiu a esses poetas Gilberto Freyre. Angustiado, certa vez escrevemos sobre esse coração do Recife: "- O Savoy agora é isto!? Para onde foram os garçons? O empregado me sorri, como se pedisse desculpa. Olho em volta e não vejo: com fotos de Edmond Dansot, o longo e imortal poema de Carlos Pena Filho, Guia Prático da Cidade do Recife, se espalhava pelas paredes: ’No ponto onde o mar se extingue / e as areias se levantam / cavaram seus alicerces / na surda sombra da terra / e levantaram seus muros / do frio sono das pedras. / Depois armaram seus flancos: / trinta bandeiras azuis / plantadas no litoral. / Hoje, serena, flutua, / metade roubada ao mar, / metade à imaginação, / pois é do sonho dos homens / que uma cidade se inventa’...". Hoje escrevemos, numa possível compensação: é bom reencontrar no livro de Edilberto Coutinho o Savoy, o melhor bar do mundo. E não pensem que isso é exagero de pernambucano. Tampouco perguntem se conhecemos todos os bares do mundo. A nossa experiência não é extensiva, nem a sensibilidade de ninguém é estatística. Para sentir o calor do sol ninguém precisa entrar na estrela. Nota do Editor: Urariano Mota é escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance "Os Corações Futuristas", cuja paisagem é a ditadura Médici. Tem inédito "O Caso Dom Vital", uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.
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