Domingo passado foi um domingo diferente, todo preenchido por eventos interessantíssimos. Vistos do Cambuci, esses domingos são ainda melhores. Sim, jogaram Palmeiras e São Paulo. Como o Palmeiras perdeu do modo como perdeu, não tive tempo para me irritar. Após meia dúzia de imprecações do mais medonho calão contra a insólita figura de Paulo César de Oliveira e sua estranha assistente, conformei-me. Nada está perdido, afinal. E, desta vez, a coisa se deu no primeiro jogo. Muito pior é o que ocorreu com Wilson de Souza Mendonça, na Libertadores de 2006. Ali, não havia volta. Por outro lado, dei por bem entregar-me a alguma atividade improdutiva, relaxante e um tanto quanto bocó: assisti a bons pedaços do concurso que elegeu a Miss Brasil 2008. Trata-se de um evento curioso. Não, não acho machista. Reunir-se para escolher a mulher que melhor corresponda a certos quesitos não é bem machismo: é só perda de tempo, mesmo. Nenhuma mulher é tratada de maneira mais ou menos respeitosa porque algumas pessoas promovem concursos de beleza. Isso é tolice. Os homens não são vistos como panacas hipertrofiados só porque exista o concurso de Mister Universo. Só aqueles que participam do concurso. Ninguém jamais olhou para mim influenciado pelo modo como Arnold Schwarzenegger se tornou famoso. Ninguém que se dirija a Derma Roussef pensa em Renata Fan. E Renata Fan está longe de ser o estereótipo da mulher fátua, tola e semi-retardada que se costuma atribuir às Misses (esse é mesmo o plural de Miss?). Não sei se é sempre assim, mas neste ano a celebração consistiu, basicamente, num festival de atos falhos, equívocos involuntariamente cômicos e situações constrangedoras. O casal que apresentava o programa chamou ao palco Adalgisa Colombo, Miss Brasil de 1958. O rapaz, cheio de precauções, tratou-a por "senhora". A referida senhora não gostou e o admoestou até com certo rigor. Encabulado, o anfitrião deu por bem escusar-se deste modo: - Desculpe então! Assim mesmo, sem vírgula. Ouviu-se, som de cristal, o clássico cacófato que se costuma fazer seguir ao não menos famoso "Tem culpa eu?". Só faltou alegar que havia "chegado a pouco de fora". Mais adiante, a Miss Espírito Santo respondeu da seguinte forma à pergunta acerca de quais seriam seus maiores desafios caso vencesse o prélio: - Olha, no meu caso vai ser o Teste da Boca! Isso mesmo. O Teste da Boca. Uma pena que a entrevista era bastante rápida e ficamos todos sem saber dos detalhes que cercam tal avaliação, sem dúvida fundamental para a verificação dos melhores dotes da candidata. Creio que as outras concorrentes não passaram pelas mesmas dificuldades ou, então, deram-se melhor nos testes que se prestavam a qualificar-lhes outras funcionalidades, porque a moça foi eliminada em seguida. Uma injustiça, diga-se de passagem. Aliás, quase todas as eliminações foram injustas. Reparei que, ao contrário das modelos, as Misses precisam ser muito, muito gostosonas. Nada de varapaus sem cintura. Muitos e muitos glúteos poderosos, seios arrogantes e troncos desenhados, belíssimos. Incrível: as Misses parecem mulheres, e não radiografias! Sob esse aspecto, achei a coisa muitíssimo mais saudável do que os desfiles de moda. A Jovem Esposa, sentada ao meu lado, compartilhou dessa minha opinião. Inclusive, pude descobrir mais isso: se você puder manter a compostura, perceberá que pode acompanhar todo o evento sem colocar a integridade física e matrimonial em risco. Há algo de lúdico naquele ritual exótico que torna permissíveis comportamentos que, na praia, por exemplo, costumam resultar em hecatombes. Finda a disputa, vencida pela Miss Rio Grande do Sul, passei às mesas redondas de futebol-debate. À uma delas, a da Gazeta, compareceu Armando Marques, digo, Paulo César de Oliveira, que justificou seu erro grotesco fazendo uma opção pelo desrespeito à inteligência dos homens de bem: disse ele, Marques, digo, Oliveira, que interpretou o lance de modo a ver em Adriano a intenção de cabecear e o toque de mão como acidental. Ninguém se lembrou de perguntar-lhe quantas vezes ele, Armando, digo, Paulo César, viu um jogador atirar-se à bola com o punho cerrado e, sem notar, completar todo o movimento necessário ao contato com a bola para, ainda assim, disso obter um resultado presumivelmente acidental. Mas eu me lembro agora de dizer-lhes que ambos, Paulo César de Marques e Armando Oliveira, estão inocentes nestas histórias tão distantes e tão próximas: Se Paulo Marques de Oliveira, em 2008, entende que Adriano teve a intenção de cabecear, e por engano anatômico estapeou a bola, Armando César poderia alegar que, em 1971, entendeu que Leivinha quis mesmo é estapear a bola. A cabeçada é que foi acidental, compreendem? Nota do Editor: André Falavigna é escritor, tendo publicado dezenas de contos e crônicas (sobretudo futebolísticas) na Web. Possui um blog pessoal, ofalavigna.blog.uol.com.br, no qual lança, periodicamente, capítulos de um romance. Colabora com diversas publicações eletrônicas.
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