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Crônicas
06/05/2008 - 05h50
Fôlego para o trabalho
Pedro J. Bondaczuk
 

O ato de produzir - seja um móvel, uma peça, um carro ou um poema, um conto, um quadro, uma sinfonia - requer uma série de requisitos. Em primeiro lugar, a pessoa que se dispõe a executar essa tarefa de criação (ou de transformação) tem que estar preparada para ela. Precisa saber fazer e não apenas querer, partindo de uma boa idéia. Em segundo lugar, a obra em questão precisa ser factível. Em terceiro, é necessário haver a matéria-prima necessária e o instrumental adequado para a produção. E os requisitos não param por aí. Passam pelo planejamento, pela pesquisa, pela medição etc. Mas, sobretudo, é necessária uma dose adequada de trabalho, sem a qual o que se idealizou não passará de simples idéia.

Estas considerações vêm a propósito daquilo que muitos pseudo-artistas, que leigos que pretendem invadir searas que desconhecem, ou os que estão dando os primeiros passos no mundo fascinante, mas cheio de espinhos, das artes, denominam de "inspiração". E o que vem a ser isso? Ou melhor, existe aquela centelha súbita que faz com que uma determinada obra, qualquer que seja a sua natureza, brote do nada e já surja acabada? Claro que não! Alguns ingênuos acham que sim. Artistas e artesãos experientes admitem sua existência, mas atribuem-lhe importância bastante reduzida, ínfima, imperceptível no ato de produção. Para cada pessoa, a palavra "inspiração" tem um significado diferente. Para uns, é a idéia principal, o cerne, a alma que determina como vai ser a obra. Para outros, é a mera tomada de fôlego, a descoberta do caminho mais fácil para a execução do que foi antecipadamente planejado.

Raros são os escritores que se confessam satisfeitos com o resultado final de seus textos, sejam contos, poemas, romances, novelas etc. A maioria, antes de dá-los por concluídos, corta, refaz, acrescenta, modifica trechos, parágrafos, capítulos. Há, até, os que descambam para o exagero e reescrevem várias vezes o trabalho inteiro, produzindo cinco, dez, vinte ou mais versões. Existem casos em que o editor se vê forçado a interferir e "confiscar" os originais, caso contrário a obra acaba não sendo nunca publicada. Se deixar por conta do escritor, o texto corre o risco de permanecer inédito. O que vem a ser isso? Excesso de perfeccionismo? Insegurança? Falta de talento? Não! Trata-se da busca da qualidade. É respeito pela própria imagem que o intelectual consciente possui. É esse zelo que impede (ou pelo menos ajuda a evitar) com que venha a cair em ridículo, por falta de autocrítica.

Mário de Andrade, por exemplo, chegou a gastar mais de vinte anos para escrever um único conto, que poderia ter sido escrito em menos de meia hora. E ninguém, nem seu mais ácido crítico, se atreve a lhe negar o mérito de um dos monstros sagrados da moderna literatura brasileira. Muitos romances, hoje consagrados pela crítica e pelo público, tiveram gestações prolongadas, às vezes até de décadas. São estes os trabalhos que no fim das contas permanecem, e encantam, e se tornam paradigmas das novas gerações e findam por se constituir em modelos, em parâmetros, em clássicos literários.

Não basta, pois, a "inspiração", a fagulha, a centelha de uma boa idéia. Sem a técnica, sem o domínio do idioma, sem a verossimilhança com a realidade do tema proposto, sem a clareza e a concisão, sem a capacidade de prender a atenção do leitor, sem a constante e aguçada autocrítica, os escritores "inspirados" (ou artistas e artesãos quaisquer) jamais chegarão a lugar algum.

O poeta matogrossense Manoel de Barros tem a definição adequada para a questão. Acentua: "Acho que a inspiração é um entusiasmo para o trabalho, um estado anímico favorável à poesia, mas não chega por si só a fazer arte. Seria, quando muito, uma erupção sentimental, brotoeja, esguicho romântico, soluço de dor de corno". Por isso, quando um escritor compara a produção de alguma obra com as dores do parto, não há exagero algum nessa figura de linguagem. Um texto em elaboração, antes de concluído, chega a "doer" no autor. A angústia, a preocupação, a insegurança e a incerteza quanto ao produto final constituem-se em medonhos pesadelos. E raros, raríssimos dos grandes mestres, depois da obra acabada, consideram que ela ficou exatamente como imaginaram quando se lançaram à empreitada. Inspiração? Existe por acaso?


Nota do Editor: Pedro J. Bondaczuk é jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros "Por uma nova utopia" (ensaios políticos) e "Quadros de Natal" (contos). Blog "O Escrevinhador" - pedrobondaczuk.blogspot.com.

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