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Opinião
15/05/2008 - 05h54
A liberdade de Crusoé
Rodrigo Constantino - Parlata
 

"Se eu sou ou não meu próprio mestre e posso seguir minha própria escolha e se as possibilidades das quais devo escolher são muitas ou poucas são duas questões inteiramente diferentes." (Hayek)

O que é a liberdade? Muitas pessoas confundem liberdade com poder. Para o libertário Murray Rothbard, a questão é objetiva: liberdade é a ausência de coerção ou invasão humana. Isso não quer dizer que o indivíduo livre pode fazer tudo aquilo que deseja. A abstração de se analisar a vida isolada de Robinson Crusoé em uma ilha deserta, e depois acrescentar algumas poucas pessoas no cenário, pode representar um exercício bastante útil para a compreensão da liberdade. Creio que quase ninguém diria que Crusoé não é um homem livre em sua ilha. No entanto, há muitas coisas que ele não pode fazer, mesmo sozinho no seu mundo.

Para praticamente todas as demandas que Crusoé tem na ilha, ele logo descobre que o mundo natural não satisfaz imediatamente e instantaneamente seus desejos. Ele não está no Jardim do Éden, mas num mundo muitas vezes hostil e totalmente indiferente aos seus anseios. Para alcançar seus objetivos, ele deve pegar os recursos naturais que dispõe e transformá-los em objetos úteis, para satisfazer suas demandas. Para pescar, ele precisa antes construir uma lança ou rede. Para obter trigo, ele teria antes que plantar. Em suma, Crusoé deve produzir antes de consumir.

Os homens não possuem conhecimento inato do que devem ter como metas adequadas, tampouco nascem com ferramentas instintivas e automáticas para conhecer os meios necessários para atingir tais metas. Diferente dos animais irracionais, que adotam comportamentos instintivos, os seres humanos precisam pensar para descobrir a melhor forma de sobrevivência. O homem precisa aprender como viver. E para tanto, ele precisa utilizar seu poder de observação, abstração e pensamento, ou seja, sua razão. O uso da mente, a aquisição de conhecimento sobre o que é melhor para ele e como conquistar isso, é um método unicamente humano de existência e conquista.

Crusoé aprende sobre tudo isso através da observação de como as coisas funcionam na natureza, ou seja, descobrindo a natureza das diferentes entidades específicas que encontra. Em outras palavras, ele aprende as leis naturais da forma que as coisas se comportam no mundo. Por trás de cada bem produzido por Crusoé, por trás de cada transformação feita pelo homem nos recursos naturais, está uma idéia direcionando os esforços, uma manifestação do "espírito" humano. Para criar a luz elétrica, por exemplo, antes é necessário conhecimento específico e uma boa idéia. Isso vale para tudo produzido pelos homens. A força bruta não é nada sem uma idéia como guia. O grande valor está na capacidade mental.

O indivíduo, através de sua própria consciência, também descobre o fato natural primordial de sua liberdade: sua liberdade de escolha, sua liberdade para usar ou não sua razão sobre determinado aspecto. Em resumo, seu livre-arbítrio. Ele descobre ainda que sua mente pode comandar seu corpo e suas ações, em vez de ser apenas uma marionete sem controle algum de seus atos. Ele tem a responsabilidade de suas ações. Ou seja, ele tem uma propriedade natural sobre si próprio. O fato de que o conhecimento necessário para sua sobrevivência e progresso não lhe é dado ao nascer nem determinado por eventos externos, e o próprio fato de ele ter que usar sua mente para descobrir isso, demonstra que ele é livre por natureza para empregar ou não sua razão, i.e., que ele tem livre-arbítrio. Para viver como homem, ele deve escolher ser homem, usar sua capacidade racional.

Nenhum ser humano é infalível. Todos estão sujeitos ao erro. No entanto, podemos assumir que a meta de todos é a sobrevivência, e esta se dá somente pelo uso da razão. Qualquer um que tentar negar a meta da sobrevivência participando de uma discussão está justamente afirmando tal meta, pois se fosse realmente contra ela, não haveria porque participar de um debate ou mesmo continuar vivo. Logo, o objetivo de Crusoé na ilha será sobreviver da melhor forma possível, reduzindo seu desconforto. Ele terá que descobrir como fazer isso. Ele é livre para tanto. Mas ele encontra limites no seu poder. A confusão entre poder e liberdade é uma das mais perigosas armadilhas do mundo moderno.

Quando alguém diz que o homem não é livre para voar, o que está sendo dito, na verdade, é que o homem não tem o poder de voar. Nada além da sua própria natureza o impede de voar. De acordo com as leis da natureza humana e do mundo, o homem é capaz de uma limitada gama de ações. A liberdade de Crusoé para pensar, adotar suas idéias e escolher suas metas é inviolável na ilha. Mas isso não quer dizer que ele seja onipotente ou onisciente. Tais atributos não são de nossa natureza humana. Ele encontra limites naturais e pode falhar em suas escolhas. Seu poder, em resumo, é limitado. Não faz sentido algum definir liberdade a partir do poder de uma entidade realizar um ato impossível para sua natureza. Ninguém seria livre no mundo!

Agora é possível passar para as relações interpessoais. Encontrando recursos naturais disponíveis, aprendendo como utilizá-los e transformando-os em algo mais útil, Crusoé está "misturando seu trabalho com o solo", na concepção de Locke para propriedade. Desse modo, ele está convertendo naturalmente a terra e seus frutos em sua propriedade. Para Rothbard, o homem isolado possui aquilo que ele usa e transforma. Não faria sentido Crusoé se declarar dono de toda a ilha apenas porque nela chegou primeiro. Se Sexta-Feira surge em cena, ele pode simplesmente ocupar uma parte inexplorada da ilha, e realizar trocas com Crusoé. Pode-se supor que Sexta-Feira vive em outra ilha, bem em frente à ilha de Crusoé, que nada muda na análise. Ambos serão proprietários de seus espaços e daquilo que criam a partir deles, devendo obter o que o outro produziu somente através de trocas voluntárias.

A oportunidade de especialização nos melhores usos de recursos, possível pelas trocas, permite a multiplicação exponencial da produtividade e qualidade de vida e todos os envolvidos nas trocas. Isso foi bem explicado pela Lei das Vantagens Comparativas, descoberta por David Ricardo. Crusoé pode se especializar na pesca, e Sexta-Feira na agricultura, e depois ambos estarão em melhor situação trocando. Ao contrário do que muitos dizem, as trocas voluntárias não levam ao "darwinismo social", prejudicando os "fracos" e favorecendo os "fortes". Elas permitem justamente que os menos aptos possam desfrutar, através do livre mercado, das vantagens da maior produtividade, porque também é vantajoso para o mais apto praticar comércio com o menos apto. Mesmo se Crusoé for melhor que Sexta-Feira tanto na pesca quanto na agricultura, vai fazer sentido ele se especializar e trocar, favorecendo Sexta-Feira. É a mesma lógica que faz um advogado que cozinha bem focar na advocacia e pagar por uma cozinheira. Além disso, como não há coerção envolvida, a troca só ocorre se ambas as partes a enxergarem como benéfica. É um axioma econômico.

E para finalizar, outro axioma econômico surge dessa constatação toda: somente através da produção e das trocas é possível consumir. Claro que alguém pode receber algo como um presente, mas isso só será possível se este tiver sido produzido por alguém antes. Logo, fica evidente que falar em "direitos" a produtos feitos pelos homens não é compatível com a idéia de liberdade obtida da abstração de Crusoé. Para Sexta-Feira ter "direito" a uma casa, Crusoé teria que ter a obrigação de construir esta casa. Crusoé seria vítima de coerção. Seria um escravo. Muitos defendem o Estado como meio para tais "direitos", ignorando que Estado não é ente concreto. Bastiat entendeu isso perfeitamente, resumindo de forma brilhante: "O Estado é a grande ficção através da qual todo mundo se esforça para viver à custa de todo mundo". Quando partimos do raciocínio de Crusoé na ilha trocando com Sexta-Feira, isso fica evidente demais. A existência de mais privilegiados não muda a natureza do ato, apenas aumenta o número de vítimas.

A verdadeira liberdade é a liberdade de Crusoé, ausente de coerção humana, da invasão de agressores. Ao acrescentarmos milhões de pessoas a mais na equação, vários como Sexta-Feira, isso apenas expande absurdamente as oportunidades de trocas vantajosas e de ganhos de produtividade. Mas é crucial lembrar algo tão ignorado atualmente: as trocas devem ser voluntárias!


Nota do Editor: Rodrigo Constantino é economista formado pela PUC-RJ, com MBA de Finanças no IBMEC, trabalha no mercado financeiro desde 1997, como analista de empresas e depois administrador de portfólio. Autor de dois livros: Prisioneiros da Liberdade, e Estrela Cadente: As Contradições e Trapalhadas do PT, pela editora Soler. Está lançando o terceiro livro sobre as idéias de Ayn Rand, pela Documenta Histórica Editora. Membro fundador do Instituto Millenium. Articulista nos sites Diego Casagrande e Ratio pro Libertas, assim como para os Institutos Millenium e Liberal. Escreve para a Revista Voto-RS também. Possui um blog (rodrigoconstantino.blogspot.com) para a divulgação de seus artigos.

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