Ofélia estava ansiosa. Aliás, toda mulher minutos antes de dar a luz ao seu filho deve morrer de ansiedade, não é? E Ofélia era uma dessas mulheres tão ansiosas que não parava de roer as unhas e falava a todo minuto das características que sua filha teria quando nascesse. "Ela será, doutora, igual à mãe, mas se puxar o pai será gerente de banco... E agora? Bom, que tal gerente de um consultório?". Era assim desde o dia da notícia da gravidez. A garotinha já tinha até nome: Olívia. "Olívia lembra Ofélia e Silvio", dizia a mãe entusiasmada, incapacitando o pai de opinar no nome. Ele bem que tentou, mas não conseguiu tirar a idéia da cabeça da esposa. Mal sabia a coitada da Ofélia que Olívia demoraria mais um pouco para nascer. Aconteceu assim: Silvio estava levando sua mulher para o hospital, aquele seria o dia que Olívia conheceria o mundo e batalharia contra suas armadilhas. Seria. Com o rádio ligado escutando as notícias do mundo, Ofélia perdia a noção do tempo. O hospital, que seu convênio cobria, ficava a quase 45 minutos de sua casa. No meio do caminho, várias chamadas dos diversos jornalistas espalhados pelo mundo foram publicadas. "Encontrado jovem que matou 37 pessoas na Igreja", "Criança atropelada não sobrevive; governo dos AUE diz que acabará com qualquer país que ficar contra ele; Praga mata mais de 100.000 animais em dois dias; deputado, eleito com mais de 3 milhões de votos, é flagrado com dinheiro sujo embaixo do chapéu; 50 policiais trocam tiros com 50 bandidos na maior avenida do país". Ofélia ficou triste e logo pediu para seu marido mudar a estação do rádio. Colocou na Rádio Erudita, não haveria jeito mais fácil de relaxar do que ouvindo uma boa música clássica. O problema é que a música detalhava, entre os acordes graves das vozes masculinas, a tristeza de viver num mundo tão complicado. "Ninguém merece!" exclamou a moça. Chegaram ao hospital e foram rapidamente para a sala de parto. Estranhamente, havia um rádio ligado lá também. Estes lugares sempre são totalmente quietos. O silêncio é geral, mas desta vez não era. Um rádio tocava uma música calma. Talvez fosse uma saída para acalmar as mães. O doutor responsável entrou na sala, junto com a equipe, e começaram a libertar Olívia do ventre materno. Porém, ela parecia não querer sair dali! Os médicos estavam fazendo o possível e o impossível para libertar Olívia de dentro de sua mãe, mas a garotinha não cedia. Puxaram-na com toda a força, cuidado e nada de Olívia nascer. Se usassem mais força matariam Ofélia. Os médicos cansados decidiram parar, respirar e se reunir para elaborar outra estratégia. De repente, o rádio tocou a música do plantão de reportagem. Aquela música arrepiava todos que a escutavam. Era um sinal de que uma notícia surpreendente ou muito ruim será contada. Ofélia sabia que, quando a notícia é boa, os editores esperam até a hora do jornal local ou nacional. Acabou a música. O locutor começa a dizer: "Incrível! Um fato inédito na história mundial está acontecendo. Há dez horas nenhum bebê nasceu. Os médicos de todos os hospitais estão tentando salvar as mães ainda grávidas. Os bebês, dizem os médicos, estão grudados na barriga da mãe. Nenhuma autoridade é capaz de explicar". Muda a voz. "Companheiros, não sei o que acontece, não conversei com ninguém ainda e não entendo dessa área de medicina". Ofélia chora e sente medo. Segura a mão de Silvio. O marido não tem o que falar. Os planos que a esposa tinha para Olívia estão cada vez mais distantes de se tornarem realidade. Todas as mães no mundo estavam pensando isto. Enquanto a sociedade estava espantada com a falta de bebês nas maternidades, Glória ajudava um grupo de mendigos. Levando comidas, bebidas, roupas e cobertores, ela sabia que aquilo não ajudaria muito, mas era o mínimo que podia ajudar. Sua conta no banco estava quase negativa e qualquer descuido resultaria em dívidas. Mesmo assim quis ajudar. Do outro lado do planeta, Kin quase morre de felicidade. Há três anos, o jovem pesquisa sobre a cura de umas das doenças que mais afetam as pessoas do mundo todo. E, neste dia, conseguiu criá-la. Com o auxílio de um rapaz que tinha a doença e depois de muito argumentar que ele não correria risco de vida sendo um cobaia, Kin salvou a vida do primeiro de milhares que viriam por aí. Não quis cobrar nada por isso. O presidente dos AUE decide voltar atrás do que havia dito sobre acabar com qualquer país que não concordasse com suas idéias, e ainda anuncia ajuda de muito dinheiro para os países mais pobres do mundo. Um deputado, de um país subdesenvolvido, é flagrado escrevendo um texto que dá uma lição de moral enorme nos colegas que não estão cumprindo com a missão de representar um povo corretamente. O país se comove com as palavras do deputado e os índices de corrupção diminuem. Este deputado é irmão daquele que levava dinheiro sujo no chapéu. Os policiais e ladrões que trocavam tiros, na maior avenida do país de Ofélia, desistem quando um dos ladrões pára e estende a mão para ajudar um dos policiais feridos. Todos que vêem a cena param imediatamente. Os dois lados admitiram o erro. Ninguém morreu. Todos se perdoaram. Afinal, o fato que gerou a troca de tiros foi uma piscadela que um ladrão deu para a linda mulher do policial. Ofélia sente Olívia se mexer. Os médicos estavam reunidos do lado de fora. Ao perceberem que Ofélia volta a se movimentar, tentam trazer Olívia para o mundo. E, finalmente, conseguem. A garotinha nasce saudável e agora em mundo muito melhor. No rádio, o locutor anuncia: "Fim da greve dos bebês". Nota do Editor: Guilherme Fuoco é jornalista.
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