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SEÇÃO
Crônicas
18/05/2008 - 13h06
Assassino
Fábio de Lima
 

Ele olhou ao redor e viu seus inimigos sentados conversando. Também sentou-se. Pediu um copo de leite gelado e uma empada de frango com catupiry. Tirou os óculos e os deixou sobre a mesa, enquanto tomava seu café da manhã. Dias chuvosos sempre lhe davam mais fome e naquela segunda-feira fria de agosto acordara faminto. Mas ele voltou também na terça, quarta, quinta e sexta. Nenhum desses dias havia chuva e nenhum desses dias era segunda. A fome era a mesma. A fome de Aguinaldo era por sangue.

Seu olho esquerdo estava cada dia pior. Estava enxergando de forma desigual. O mundo lhe parecia desigual. Havia ódio demais no olhar de Aguinaldo. Suas mãos estavam trêmulas e não eram de medo - mas aquele jovem professor de história não sabia as razões daquele tremor. Ele observava os sorrisos de seus inimigos e engolia devagar sua saliva imaginando até quando aqueles sorrisos iriam prevalecer. Eles lhe eram ameaçadores. E a vida, definitivamente, não lhe inspirava graça e nem confiança.

Seu plano era muito claro em sua cabeça. A decisão estava tomada. O mundo não fora feito para idiotas. Ou seria o mundo um lugar só para os idiotas? Bem, essa dúvida pairava em sua mente. Mas, ainda assim, a decisão estava tomada. Ele era um intelectual. Ou seria ele um sábio? O fato é que ele era frio e objetivo com seus pensamentos. A morte lhe era uma menina, de olhos claros e corpo bonito, que o excitava todas as manhãs. Aguinaldo queria ver a morte mais de perto que a vida.

Numa manhã qualquer, o professor olhou no relógio e se lembrou que já fazia 17 dias que tomava café na mesma padaria, sempre no mesmo horário, às 7h00. Percebeu que não podia mais esperar. Tinha que ser naquela manhã. Então, engoliu o último pedaço de empada colocando o último gole de leite à boca, no mesmo momento. Aguinaldo viu que seus inimigos ainda terminavam o café quando se levantou e foi até eles. Não pensou muito. Não havia motivos para isso. A decisão estava tomada, não estava? Estava ou não estava? Ele acredita que estava.

Aguinaldo chegou à mesa de seus inimigos e sem perguntar nada foi jogando tudo ao chão. Seus movimentos foram tão rápidos que ninguém teve tempo de fazer nada. Aquele rapaz com os cabelos despenteados parecia um doente mental. Na verdade, ele não só parecia como era, realmente, um doente. Antes que alguém conseguisse segurá-lo, correu em direção à avenida e esperou, por alguns segundos, o maior carro que viesse em sua direção. Ao avistar um ônibus - não teve dúvidas - entrou na frente do veículo e se matou. Os jovens, como ele, de dentro da padaria olhavam abismados, atônitos, incrédulos. O que tinha sido aquilo?

As investigações policiais provaram que Aguinaldo sempre foi perigoso. Ele nunca matou ninguém, mas por 27 anos se matou aos poucos. Ele foi cruel consigo mesmo durante toda a vida. Era considerado um professor de raro conhecimento, mas, também, de raras palavras, a não ser sobre história. O rapaz nunca teve amigos, namoradas ou qualquer pessoa que lhe significasse algo importante. Os anos se passaram e ninguém nunca soube, nem quis saber, mais nada a respeito dele - como sempre.


Nota do Editor: Fábio de Lima é jornalista e escritor, ou "contador de histórias", como prefere ser chamado. Está escrevendo seu primeiro romance, DOCE DESESPERO, com publicação (ainda!) em data incerta.

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