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Opinião
21/05/2008 - 07h09
Do ofício de ghost writer
Waldo Luís Viana
 

Muitos são os que me perguntam sobre a natureza dessa profissão tão estranha, mesmo para os tempos atuais ditos – e, a nosso ver, falsamente – como sem preconceitos, politicamente corretos e globalizados.

Conscientemente, abraçar um ofício é uma decisão de alma, que deriva de vários acordos íntimos, que migram entre a necessidade, a vocação e o acaso. No entanto, em se tratando especificamente dos ghost writers, é preciso compreende-los a partir da definição de suas tarefas de escritores profissionais que escrevem anonimamente e colocam o resultado de seu trabalho à disposição do autor, ou seja, de pessoas (físicas, naturalmente) que não têm tempo ou capacidade de agir nesse sentido por elas mesmas.

Essa profissão remonta ao Egito Antigo, onde a classe dos escribas servia diuturnamente os faraós e altos membros da corte para a confecção de documentos e decretos reais. Com o tempo, os altos dignitários, aristocratas ou não, governantes, sacerdotes e comerciantes passaram a exigir a assessoria de escritores para externar idéias, proferir discursos, palestras e confeccionar memórias, romances, ensaios ou biografias. Nos tempos modernos, a atividade foi de tal modo popularizada entre políticos e empresários, que é raro haver algum que não conheça um bom escritor, contratados como consultores nas tarefas de comunicação social ou corporativa.

A atividade nobre, no entanto, começou a ser mal compreendida a partir do contato natural desses escritores com o mundo acadêmico. Deslocando-se de sua origem medieval, as universidades hoje, principalmente no Brasil, são centros pragmáticos de cultura, cada vez mais antenados com as necessidades produtivas e mercantis, freqüentadas por estudantes que trabalham em horário integral e não têm tempo para produzir monografias, dissertações e teses, imprescindíveis como requisito para a conquista de graus de excelência, diplomas e certificados. A falta constante de tempo para as lides intelectuais, o sustento das respectivas famílias e as justificáveis necessidades de trabalho levam vários estudantes e até professores a se servirem de bons ghost writers na apresentação de conteúdos em diversas especialidades e isso já se faz mais ou menos sistematicamente, embora ainda com certo pudor e anonimato.

Sem dúvida, não há nada demais nisso: uma pessoa física pode ser contratada por outra para escrever textos de qualquer natureza, desde que isso não represente vínculo institucional com terceiros. Apesar disso, alguns preconceituosos asseveram que essa atividade seria, na prática, uma violação de direito autoral, uma espécie – ainda que requintada – de pirataria. Ela seria difícil de comprovar, vez que o papel aceita tudo e não revela, de modo algum, o verdadeiro autor, até porque é do ofício do ghost writer absorver, como uma espécie de tecnologia, a terminologia e o estilo de outros. Muitos juristas, no entanto, já se pronunciaram sobre a inocência do ofício de escrever, constitucionalmente protegido pelo amplo conceito de liberdade de expressão e pela proteção do livre direito de cessão dos direitos autorais.

Não é desdouro ou labéu para ninguém escrever, com originalidade e desenvoltura, em várias especialidades, tendo como suporte apenas a curiosidade intelectual, a vontade de estudar e descobrir. Num mundo de especialistas cheios de soberba, ser um generalista pesquisador e holístico, que se utiliza de técnicas especiais para satisfazer clientes apressados, deveria ser inclusive objeto de admiração e aplausos, por serem verdadeiros navegadores “contra a corrente” num mundo que privilegia tanto a estupidez, o conformismo e a disposição estanque, normativa e burocrática de diversas profissões.

Com tempos quase esgotados para a entrega de trabalhos, sobretudo porque as pessoas só procuram um ghost writer em último caso, existem até firmas especializadas, com teses prontas, que invadiram o mercado para lograr resultados para tal tipo de público. Sobram sempre, entretanto, os trabalhos mais difíceis, as teses desafiadoras e originais que nos caem nas mãos para serem feitas ou refeitas, o que, mercê de Deus, sustenta ainda nosso especial e querido ofício.

Infelizmente, muitas pessoas despreparadas não acreditam, que um profissional seja capaz de realizar essas missões e procuram, pela imprensa, descaracterizar a atividade. Ora, se existe a demanda, nada impede que se escreva para uma pessoa física com cessão plena dos direitos autorais. Tudo é simples, cristalino, não envolvendo controvérsias éticas ou desconfianças de qualquer natureza. Poderíamos citar até grandes escritores que trabalharam como ghost writers e se envaideceram dos resultados obtidos. Houve, contudo, um caso funesto: o ditador Adolf Hitler mandou matar o seu escritor contratado, quando este, de acordo com a versão do déspota, não cumpriu a contento a tarefa de lhe escrever um bom discurso. Esse é um triste destino que, felizmente, não afeta nossa profissão, mas não impede que sejamos vítimas das perseguições maliciosas e abstratas da incompreensão e do patrulhamento ideológico de alguns espíritos limitados.

Impedir um ghost writer de exercer livremente o seu ofício – como muitos falsos sábios e ignorantes desejam – é constatar infelizmente uma verdade cada vez mais evidente: a de que na prática não existe democracia no mundo cultural, mas apenas a ditadura onipotente e onipresente dos que não sabem ou imaginam para si mesmos o monopólio do saber...


Nota do Editor:  Waldo Luís Viana (www.waldoluisviana.w3br.com) é escritor e economista.

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