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COLUNISTA
Marcelo Sguassábia
26/05/2008 - 12h00
Relato de priscas eras
 
 
A José Saramago, pela inspiração

Por um decreto natural, sem prévio aviso, abriu-se uma fenda de fora a fora do mundo, que engoliu aquele tempo e aquelas coisas do jeito que eram para continuarem indefinidamente sendo daquela forma. Das duas margens do grande racho foram tragados homens, mulheres e crianças, abajures, carros, telefones, estantes de livros e mesas de variados feitios e estilos. Essas coisas e seres, eleitas ao acaso pelo capricho do vale que se abria, permaneceram imunes ao estrago e à velhice. O tempo deixou de exercer sua ação sobre eles e instaurou-se o caos, embora seja sabido que chegou a existir uma constituição, um hino e até uma bandeira da pátria atemporal - ainda que ninguém tenha efetivamente testemunhado o hasteamento da mesma.

Multiplicavam-se os humanos entre as dois blocos rochosos, por não terem muito o que fazer exceto procriar e observar a fenda abrir-se mais e mais, tanto em largura quanto em profundidade. E os bebês uma vez nascidos perpetuavam-se bebês, com a idade de um dia, já que o passar das semanas, meses e anos havia se interrompido. Assim, os copuladores que ali estavam não mudavam de feição nem enrugavam, não perdiam cabelos nem a virilidade, se entretinham somente em mais e mais copular e cuidar dos eternos bebezinhos.

Além dos limites da fenda mágica, a vida corria e as gerações se sucediam normalmente, com a passagem do tempo seguindo seu curso inalterado. Não demorou para que o estranho Grand Canyon virasse atração turística, com hordas de visitantes acompanhados de seus guias a espreitarem de binóculos e lunetas os eternamente jovens que acenavam lá de baixo, tendo em seus colos três, quatro ou mais bebês de um dia.

Tal quadro era a glória para as mulheres de natureza promíscua, o alívio para aqueles que contraíram dívidas antes de serem tragados e o refúgio perfeito para os procurados pela polícia. Mas havia os alcoólatras que lá de baixo gritavam desesperadamente por uma garrafa de bebida, os fumantes que clamavam por uma bituca que fosse de cigarro, os saudosos aflitos por tornarem às suas casas e afazeres.

Organismos internacionais e ONGs envidavam todos os esforços para manter a situação no fosso dantesco sob controle, despejando diariamente no sulco basculantes de comida, galões de água, remédios e carregamentos colossais de leite em pó para os bebês de um dia, que se aglomeravam e formavam em poucos meses uma população centenas de vezes maior que a dos seus genitores.

Até que a fenda deixou de alastrar-se, iniciando um inédito movimento geológico de contração, que, inversamente ao fenômeno inicial, ia expelindo os humanos de volta à terra firme. Não é difícil supor que muitos foram os bebês de um dia e os adultos procriadores esmagados pelo efeito morsa, formando um mar de sangue e vísceras em torno daqueles que a custo se debatiam para alcançar a superfície e sobreviver.

Por serem em muito maior número, foi no grupo dos bebês de um dia que se computou a quase totalidade dos sobreviventes. E uma vez fora do fosso passaram a sofrer os efeitos normais do tempo e se tornaram adultos, habitando as cidades, os países e os continentes da forma como os conhecemos hoje. Por ser verdade, eu, escrivão autorizado, firmo o presente relato como documento fidedigno para estudos futuros.


Nota do Editor: Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário em Campinas (SP), beatlemaníaco empedernido e adora livros e filmes que tratem sobre viagens no tempo. É colaborador do jornal O Municipio, de São João da Boa Vista, e tem coluna em diversas revistas eletrônicas.
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