O operário dizia ao filho que estava construindo um prédio tão alto quanto essas montanhas de onde descem cachoeiras. E prometia levar o garoto até lá em cima na inauguração para lhe dar uma idéia da obra toda. Durante dois anos, o menino sonhou com aquele momento, enquanto os trabalhadores davam um duro danado. Mas valeu à pena: a obra ficou tão bonita, tão bonita, que veio gente de toda parte para ver. O garoto cobrou, então, a antiga promessa, mas os seguranças só deixavam entrar na festa com convite. O trabalhador explicou que não queria comer nem beber, só mostrar ao filho seu trabalho, e o enxotaram. Arriado de desimportância, um zé-ninguém a quem haviam usurpado a autoria da sua máxima obra, decidiu que aquele orgulho não tirariam da criança e escalou o edifício por um andaime dos fundos. Lá em cima, abriu a braguilha. Um farto jato dourado de urina esguichou como insulto sobre a multidão, enquanto o garoto aplaudia, afinal, o que aguardara tanto tempo para assistir: o espetáculo da cachoeira. Nota do Editor: Daniel Santos é jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de O Estado de S. Paulo e da "Folha de S. Paulo, no Rio de Janeiro, além de O Globo. Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
|