Não há no Brasil quem se oponha à ampliação dos recursos federais destinados ao Sistema Único de Saúde. Muito precisa ser feito, tanto nos pontos mais remotos do nosso interior quanto em nossos grandes centros urbanos, nos quais se concentram os serviços médicos e hospitalares tecnologicamente avançados e de mais alto custo, para garantir que todo brasileiro tenha o atendimento de que carece, qualquer que seja a sua situação socioeconômica. Essa ampliação deve ser buscada através da melhoria da qualidade do gasto público e da severa fiscalização do emprego do dinheiro repassado aos órgãos gestores e executores dos programas de saúde. O governo federal, raciocinando tortuosamente, vincula as melhorias na saúde à obtenção de novos recursos, que pretende conseguir através da recriação, com novo nome, da CPMF. Medida nesse sentido, proposta pela base governista no Congresso, divide neste instante o Legislativo em dois grupos irreconciliáveis entre si. Querem os governistas persuadir a oposição de que, diferentemente do extinto imposto do cheque, criado com a finalidade específica de custear o funcionamento do SUS, mas destinado afinal ao atendimento de todo tipo de despesas públicas, o novo tributo não terá sua destinação alterada. O contribuinte não tem motivo nenhum para acreditar nessa assertiva. Em toda a nossa História, compromissos assumidos pelo governo, quanto à vinculação de determinada receita a um objetivo específico, foram descumpridos sem qualquer cerimônia, pouco tempo depois. Éramos colônia de Portugal quando, tendo a cidade de Lisboa sido destruída por um terremoto, o rei Dom José I criou um imposto temporário para reedificar a capital portuguesa, a ser pago pelos brasileiros. Uma das atividades econômicas mais expressivas da época, em território brasileiro, era o comércio de mulas, trazidas do Rio Grande do Sul para serem vendidas na feira de muares de Sorocaba, na qual se reuniam compradores de todo o Brasil. A coroa lusitana criou um novo imposto sobre animais e usou o dinheiro, assim obtido, para reedificar a capital do reino. O prazo previsto para a cobrança do tributo, entretanto, foi prorrogado e ele continuou a ser cobrado depois que o Brasil se tornou independente. Só foi extinto na República, quando perdera quase toda a sua importância financeira. Desde aqueles tempos tão recuados, os maus exemplos se sucederam. Quando os documentos de todo tipo eram selados com estampilhas federais, o contribuinte pagava, sobre o imposto recolhido nas coletorias da União, um selo adicional destinado, segundo as informações nele contidas, à educação e à saúde. Se os recursos obtidos através daquela taxa adicional houvessem sido empregados corretamente, teríamos criado o SUS há muitas décadas sem necessidade da CPMF ou da contribuição com que se pretende ressuscitá-la. O adequado encaminhamento da questão de recursos suficientes ao bom funcionamento do SUS deve ser outro. Num primeiro momento, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve usar, de forma sábia e austera, o dinheiro da arrecadação federal, que não é pequeno e têm gerado, nos últimos meses, superávits crescentes. Na utilização daqueles meios, é indispensável conceder prioridade aos investimentos em saúde e educação, dando a eles precedência sobre outras áreas. Nada indica, neste momento, que haja necessidade de se criar algum tributo novo para aumentar os repasses a saúde, bastando que o governo direcione para o setor uma parte do que sobra em seus cofres, depois de atendidos todos os demais compromissos. Mas se a necessidade vier a existir, o correto é que o governo a enfrente no âmbito da reforma tributária que vem tentando aprovar no Congresso, em vez de criar uma contribuição avulsa. Esta desorganiza o que ainda não chegou sequer a ser ordenado. A tentativa de se criar um novo tributo cuja necessidade não foi demonstrada em momento algum, como iniciativa isolada e prejudicial à proposta de reforma tributária, agride a inteligência dos contribuintes, que são todos os cidadãos deste país. Ela somente será acolhida sem resistência por quem acredita em Papai Noel. Nota do Editor: Antonio Carlos Pannunzio é deputado federal, ex-líder do PSDB na Câmara, ex-presidente do diretório estadual de São Paulo, membro da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional.
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