O faroeste é aquele tipo de filme inventado pelos americanos sobre coisas que jamais existiram de verdade e que são absolutamente verdadeiras. Ou você, por acaso, alguma vez duvidou que a vida é um eterno duelo ao entardecer? Ou que está absolutamente só à espera do Mal que chega ao meio-dia em ponto? Ou que a sobrevivência depende de cruzar o deserto com a diligência, onde compartilhamos o destino com pessoas desconhecidas? Por acaso você não teve, em alguma altura da sua vida, na infância ou no trabalho, o fiel companheiro para enfrentar o perigo que chega armado? Nunca sonhou com um rancho no México, depois do tiroteio, do roubo de gado, da busca do ouro perdido? Não sonhou com aquela mulher estranha e maravilhosa que defende seu espaço apontando rifles para a escuridão? Duvido que você não tenha brigado com mais de um oponente, a socos, num bar ou na rua. Ou que não tenha tocado um revólver como se não fosse uma jóia e que não ficasse alerta com o clic engatilhado na curva. Todo mundo tem ou teve um cavalo que nos acompanha na jornada e que atende ao assobio do dono para salvá-lo de uma situação complicada. Todos contam com a banana de dinamite que vai explodir a cela, ou com a corda que, amarrada a uma carroça, irá arrancar as grades da parede, libertando não apenas um, mas todos os prisioneiros. Quem não chegou de longe para conquistar o coração da moça desperdiçada no meio da pradaria? Ou que veio para enfrentar os bandidos que destroem fazendas para vender o coração dos cidadãos para a malvada ferrovia? Certamente você libertou seu amigo da forca atirando de longe, com sua winchester, na corda fatídica, permitindo que ele esporeasse o cavalo onde foi colocado e assim se salvasse para que vocês pudessem ir atrás dos malfeitores. E se alguém lhe apontou uma arma, não há dúvida: você se salvou porque é mais rápido, ou teve a manha de maquiar seu acampamento, fingindo que está deitando à mercê dos tiros, quando de fato você está atrás da pedra, pronto para o bote. Sim, nós somos o faroeste. Levamos milhares de cabeça de gado para o Missouri, fomos atrás da mulher seqüestrada pelo terrível chefe Cicatriz, cruzamos a neve com nossa obsessão, ficamos sombrios embaixo daqueles chapéus pretos, usamos capas até os pés nas areias espanholas dos faroestes italianos, conhecemos aqueles índios que acenam de cima dos penhascos e sabemos que no canyon algo nos espera com seu acervo de surpresas sinistras. Precisamos avisar Jesse James que seu companheiro de quadrilha vai matá-lo. E temos que acompanhar o fazendeiro que leva o facínora para o trem de Yuma, onde irá para a prisão para ser julgado, enforcado, enterrado. É por isso que achamos “O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford”, com os brilhantes Brad Pritt e Casey Affleck, e “Os Indomáveis”, com os brutos e definitivos Russel Crowel e Christian Bale, não mais uma retomada do faroeste, mas a seqüência de uma paixão cultural, onde temos acesso à aventura, o risco, a dor, e a alegria de vivermos com grandeza na terra hostil. Visite esses filmes como se fosse a derradeira tarefa sobre a terra. E veja se esses grandes atores, que nos assustam e nos deslumbram, não fazem parte da linhagem fundada por John Wayne e Gary Cooper, e que permanece viva, porque o mundo não mudou de fato. Ficou apenas mais denso, mais profundo. As balas não ricocheteiam mais. Elas explodem no corpo exausto, mas ainda vivo. Bom e velho oeste: agora você já sabe onde me encontrar. Nota do Editor: Nei Duclós é autor de três livros de poesia: "Outubro" (1975), "No meio da rua" (1979) e "No mar, Veremos" (2001); de um romance: "Universo Baldio" (2004); e de um livro de conto e crônicas: "O Refúgio do Príncipe - Histórias Sopradas pelo Vento" (2006). Jornalista desde 1970 e formado em História.
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