A minha bela cadela, em um belo domingo encontrou a porta da rua aberta. Não pensem que ela fugiu. Ao contrário, puxando a vocação de um "avô", mandou entrar todos os seus colegas de rua; com bandolins, cavaquinhos, atabaques e pandeiros, um verdadeiro carnauauau! As mesas e cadeiras dispostas no quintal e os cascos vazios já esperavam o caminhão da cervejaria para o recolhimento. Os gols já estavam suficientemente comemorados, a televisão desligada, a equipe do Galvão Bueno já havia se recolhido, mas os ossos e as pelancas, sobras da feijoada, ainda não haviam sido varridos. E nós, que pensávamos que éramos os únicos donos da casa, vimos que nossa Mandala é quem dava as ordens naquela hora, para a sua alegre cachorrada, que naquele fim de tarde parecia que ouvia de mim, “um entre por favor”. Eu não quis estragar aquele weekend canino. Afinal, um dia eu ouvi, de um importante ministro, que “cachorro também é gente”. Minha carrocinha furou o pneu, e aqueles humanos animais puderam ter, naquele dia, uma imagem diferenciada do mundo cão em que vivem; fazendo xixi nos postes, correndo do homem do canil da prefeitura, tomando banho até de mijo humano e sendo violentados nas ruas pelos próprios companheiros. Naquela tarde, a fartura era tanta, que só pensavam em comer os fartos pedaços de carne deixados pela raça nobre de pagodeiros. Eu pensei em que tempo achei tanta graça de tantos cachorros juntos? De raça ou sem, meninos ou meninas, sem que cheirassem o bumbum um do outro, nem que eu fosse dono de um “dog-hotel” não riria tanto com meus hóspedes. Tirei uma soneca e comecei a sonhar. Quando acordei já era hora. Contra a vontade ou não, Mandala já deixava de dominar o território. Voltava para a sua coleira, enquanto seus colegas, de casas vizinhas ou rua, foram convidados a uivar nos seus lugares de costume. Fiz cara de mau. Mas até que tinha dó de ver uma procissão canina seguindo para a porta da rua, serventia da casa. Lançavam-me olhares como a pedir que os deixassem pelo menos pernoitar. “Quem vai limpar o cocô pela manhã de segunda?”, perguntei-lhes. A resposta veio rápida, dos lábios de minha adjunta doméstica, que também aproveitou e até tirou fotos daquele convescote animal: “Eles podem dormir no quintal. Amanhã pela manhã eu limpo” Foi o bastante. Convidei-os a retornar e desejei-lhes bom sono. Novamente alegre, pois nenhum reclamou do tempero, também fui sonhar. Sonhei com um fato real, que quando eu era criança presenciei e ri muito. Morávamos em Nilópolis, Estado do Rio, em uma grande casa na Rua Augusto Paris, número 1837, na época importante artéria. Não distante, na quadra de um clube na Avenida Mirandela, a principal da cidade, acontecia uma reunião para fundação de uma associação de casas populares, uma das primeiras cooperativas do gênero no Brasil. Transcorria a segunda década dos anos cinqüenta. Meu padrinho e pai por afetuosidade, Flávio Cláudio de Mesquita, era guarda-livros, o que hoje corresponde a contabilista. Presidia a reunião e gostava de ser acompanhado por seus cachorros. De alguns animais eu me lembro os nomes: Rex, Bolinha, Sultão, Frida, Flocos, e outros. Pelos nomes, nota-se que eram vira-latas de raças distintas, recolhidos nas rua. Eram convidados a habitar no mesmo extenso terreno. Bem-relacionados com o dono, os cães e cadelas seguiam aquele respeitoso senhor de cabelos brancos, como fiéis companheiros. A reunião transcorria normal. Uma extensa mesa com Papai Mesquita ao centro, uma dúzia de diretores, umas três dezenas de interessados, e só faltava Anacleto, que antes havia parado no bar da esquina para "calibrar”. Tomou algumas doses duplas. Já no meio da reunião, usando de apoio às cadeiras, o retardatário mirou e viu a dúzia de cães repousados sob a mesa, e lascou: “Seu Mesquita e sua cachorrada”, Se era mal-interpretado por suas constantes bebedeiras, Anacleto ficou de olho roxo e sem saber, até a data de sua morte, o que aconteceu. A “cachorrada” do Seu Mesquita não gostou nada da infeliz alusão. Nota do Editor: Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, DRT-398/BA, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi Bahia... É jornalista investigativo, escritor, poeta, e adepto do humor. Também conhecido como “Jornalista do Sertão”. E-mail: seupedro@micks.com.br.
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