O Supremo Tribunal Federal aprovou a constitucionalidade de pesquisas com células tronco embrionárias em nosso país. A liberação é restrita a embriões congelados gerados em clínicas de fertilização, desde que os embriões sejam inviáveis ou já estejam congelados há mais de três anos, sempre com o consentimento dos genitores. A decisão abre as portas para que pesquisadores brasileiros também possam colaborar para a evolução de uma promissora estratégia de tratamento que não deve ser vista como ficção científica. Temos acompanhado pontos de vista contrários à liberação das pesquisas sendo que o argumento principal é o de que o embrião é uma vida em potencial. Onde começa e termina a vida é uma discussão pra lá de complexa, mas gostaria de provocar uma reflexão sobre vida e morte. Hoje em dia, a morte clínica é definida como a interrupção das funções cerebrais e vale a pena pensar em um exemplo prático para melhor compreendermos a questão. Um indivíduo sofre um acidente com grave traumatismo craniano e um grande inchaço do cérebro desenvolve-se, fazendo com que ele entre em coma e perca a capacidade de respirar sozinho. O paciente permanece na UTI por vários dias em ventilação mecânica e, muitas vezes, mesmo com todas as intervenções possíveis, perde os reflexos neurológicos. Após a realização de rígidos protocolos, chega-se à conclusão de que o paciente apresenta morte cerebral. Mesmo com esse diagnóstico, ele pode permanecer com o coração batendo por dias, às vezes até semanas. Entretanto, sabemos que esse tem chance zero de viver e o médico está legalmente respaldado a seguir dois caminhos: 1) se o paciente for doador de órgãos, é encaminhado para a retirada dos órgãos; 2) se o paciente não for doador de órgãos, desliga-se o ventilador mecânico e então o coração pára de bater em minutos. A sociedade brasileira vê com muitos bons olhos a atitude altruísta das famílias que permitem a doação de órgãos de seus entes queridos diagnosticados com morte cerebral e que salvarão outras pessoas que morreriam se não recebessem fígado, coração, ou que não enxergariam se não recebessem novas córneas. Tal questão está livre de polêmica. Quando um casal é submetido à fertilização in vitro, vários embriões são fertilizados, mas nem todos são usados. Congelam-se então os não utilizados e o casal tem garantido o direito de solicitar que eles sejam inutilizados quando bem entenderem. Assume-se que um corpo sem cérebro não tem chance de viver, mesmo com o coração batendo. Embriões que serão descartados têm alguma chance de viver? Deve-se proibir então a fertilização in vitro e destruir o sonho de tantos casais inférteis de gerar um filho? Pense nisso. Nota do Editor: Dr. Ricardo Teixeira é PhD em Neurologia pela Unicamp. Atualmente, dirige o Instituto do Cérebro de Brasília (ICB) e dedica-se ao jornalismo científico. É também titular do Blog "ConsCiência no Dia-a-Dia" e consultor do Grupo Athena.
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