Não há quem me convença da existência de um casal em que o homem e a mulher sejam perfeitamente iguais, e que nunca tenham se olhado de modo estranho. Até mesmo porque sempre um dos pares é mais alto e outro mais baixo, além dos físicos terem grandes diferenças, às vezes enormes. Acredito que um casal pode ter um pacto de compreensão e convivência tão aguçado que não permita acolher discordâncias à toa, nem ficar gastando dinheiro quebrando dúzias de pratos. Mas que brigam, os casais brigam! Hoje pela manhã, por exemplo, eis que surgiu um pomo da discórdia, e não estava em nenhum porta-seios, mas nas cuecas sujas que involuntariamente atiro em baixo da cama, quando sei que existe a cesta de roupa suja. Ela, a minha amada esposa, resolveu deixar ali, sujas e ocultas, as minhas peças intimas, por vários dias, para que eu tomasse vergonha. Vergonha eu tenho é de ir às tarefas externas sem apoio dessa peça íntima. Sinto-me solto e com passos em falso. Se alguém descobre o balanço, a ausência da peça? Ontem não havia uma única sequer ao ponto de ser utilizada. Minha amada havia chegado ao ponto máximo de seu boicote, não recolheu nenhuma e me fez abaixar. Eu tive que arrastar a barriga por debaixo do leito, lavar uma das peças debaixo do chuveiro e, ao final, dar-lhe razão. Mas não sem antes descarregar a minha “superioridade” masculina, direcionando à minha companheira todas as minhas cargas de palavrões, dos mais brandos aos mais pesados, de modo que ali deixasse registrado todo o meu torpor diante do fato. Para a minha felicidade, ela não estava presente para ouvir meus trovões: havia ido à padaria. De sorte que quando ela regressou, me encontrou com uma das peças na mão, ainda pingando alguma água, e deu para eu lhe perguntar, calmamente, se havia trazido meu pão integral. Só tive que esperar uma hora enquanto meu suporte íntimo secava atrás da geladeira. O desgaste da briga foi só meu, e com somente pequeno atraso a justificar junto ao meu trabalho. Mas o patrão sou eu mesmo e não levei nenhuma punição. Segui para meu emprego lembrando como é bom ter um lar feliz e harmonioso, mesmo com pequenas discórdias, onde a voz de um não prevaleça sobre a do outro, onde as crianças também tenham vez e voz e até os recém-nascidos possam chorar sem opressão, e o choro seja recebido como música. Também ninguém vai me convencer que eu nunca recebi xingamentos, a exemplo do sábado em que fui buscar carne para o almoço e fiquei de papo com amigos no barzinho da esquina até meio-dia, apreciando as loiras geladinhas. A vida de casal é assim: há o dia dele falar mal, e há dia dela descontar. Mas que os ouvidos estejam longe e o perdão bem perto, tudo acabando em beijinhos. Um casal nunca será cem por cento ou quase igual, a não ser japonês, em que a diferença é mínima. Não teria graça, não haveria quem, pensando diferente, tomasse a iniciativa da surpresa. Não haveria quem dissesse, exclamando ao receber um buquê de flores: “Eu havia esquecido que fazemos aniversário de casados no dia de hoje, mas você lembrou!”. Ou então que justificasse: “Nosso casamento se renova a cada dia, que não lembro da data marcada para comemorar. Ele é festa todos os dias!”. Não existem almas-gêmeas, há almas que se entendem e não gemem por pequenos detalhes. Pelo sim ou pelo não, comprei mais meia-dúzia de cuecas para que nunca faltem as limpas, e já vou ao açougue na sexta-feira. Afinal, não custa prevenir a felicidade do dia-a-dia e principalmente a do churrasco de sábado. Nota do Editor: Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, DRT-398/BA, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi Bahia... É jornalista investigativo, escritor, poeta, e adepto do humor. Também conhecido como “Jornalista do Sertão”. E-mail: seupedro@micks.com.br.
|