Chega o inverno, e com ele os descuidos no cuidado contra epidemia
Se parodiássemos Vinícius, atravessaríamos o inverno cantando com voz cortada e numa cadência doentia: "Pense nas crianças moribundas no SUS; / pense nos olhos tristes com remela ou pus..." E soltaríamos o refrão previsível, mas verdadeiro, pedindo que ninguém se esquecesse do Aedes aegypti e suas vítimas no último verão. Seria um alerta para o poder público e a população, lembrando que os mosquitos transmissores do dengue não tiram férias coletivas. Agem menos no tempo frio mas agem, e se deixarmos ficarão cada vez mais fortes e numerosos, prontos para uma nova epidemia, de conseqüências ainda piores na próxima estação propícia. Mas temos memória curta. Já estamos nos desarmando, esquecendo até os chavões institucionais de campanha e voltando à rotina do descuido. Os focos estão em paz, preparando a guerra contra o sossego das famílias que logo irão de novo para as filas dos postos e hospitais públicos em busca do socorro ineficiente. Precário. Muitas vezes inexistente ou inalcançável para quem mais sofre os efeitos da preguiça oficial e da própria falta de entendimento da parte que lhe cabe na peleja contra uma praga fortalecida especialmente pela ignorância ecológica. Municiamos o mosquito com o lixo onde não deveria estar. As caixas d’água expostas. Pneus e outros recipientes dando boas-vindas ao perigo. De outro lado, os governantes nutrindo a farra: deixando os rios imundos, as valas a céu aberto, a coleta de lixo irregular e não investindo em políticas de prevenção e socorro para vencer as epidemias e ter a tranqüilidade de cuidar da rotina dos casos que o nosso clima tropical poderá resultar mesmo assim, mas numa escala perfeitamente controlável. Entretanto, parece que a tranqüilidade gera bem menos voto, por ausência da visibilidade que a coisa pública requer, aos olhos de uma distorção conveniente. Bom mesmo, no conceito geral da oficialidade, são os espetáculos de verão, com o espalhafato pouco eficiente dos fumacês e um grande elenco nas ruas, incluindo as forças armadas quase ao som de bandas marciais. Com isso, a campanha contra a epidemia em seu período mais fértil se torna também uma campanha eleitoral, mesmo com os riscos de ações que acabam depondo contra os governantes e/ou parlamentares, como ocorreu em todo o Estado do Rio. "...mas oh, não se esqueçam do nefasto mosquito / que está no Brasil por ser melhor que o Egito, / porque lá certamente ninguém mais o quer!". Já é tempo de não desejarmos mais ver esse filme, fazendo o que nos cabe e cobrando o empenho, a eficiência e a constância das autoridades no combate ao problema. Afinal, e por falar em filme, todos nós sabemos o que o mosquito fez no verão passado. Nota do Editor: Demétrio Sena é Educador lotado no Colégio Estadual Alcindo Guanabara - Guapimirim (RJ). Palestrante. Membro da Academia Mageense de Letras.
|