Contos da Mula Manca
Nós somos poucas, muito poucas. E agora sofremos uma baixa séria, com a saída de Ruth Cardoso. Ruth é um nome que não virou moda, a mais nova que conheço e olha que de nova não tenho quase mais nada sou eu, na verdade Maria Ruth, para não confundir com a mãe, que é outra de nós. Toda vez que declino meu nome é muito comum ouvir “minha tia querida é Ruth ou minha sogra”, enfim, normalmente alguma parente mais velha – nunca vi ninguém ter sobrinha recém-nascida com nosso nome. A sensação que tenho é de que todas vão morrer e eu ficarei só, num universo que era habitado por algumas de nós, que estão findando. Pelo menos elas parecem deixar boas recordações, como é o caso da já saudosa Cardoso. Lamento por todos os lados. Primeiro porque perdemos uma das raras mulheres que, alçadas ao patamar de celebridade, nunca perdeu a compostura e nunca tentou se mostrar. Ao contrário de quase todas, ela nunca pegou carona no sucesso do parceiro mais conhecido, como fazem tantas cujo maior mérito foi ter sido namorada ou mulher de jogador de futebol, astro de fórmula um ou coisa que o valha. Depois porque, aliado aos comprovadíssimos recursos intelectuais de professora doutora, havia uma dignidade, um aversão ao novo-riquismo que parece tomar conta da pasta incontrolavelmente. Alguém aí saberia dizer o nome de algum costureiro que fazia roupas para ela, de viagens de avião zero bala comprado com dinheiro público, de expressão paralisada por botox e sucessivas plásticas, ou, para pegar leve, direito de qualquer mortal, de algum cabeleireiro? Poucas vezes ouvimos o som de sua voz, isso elas têm em comum, mas todas as vezes em que soou foi para dar um recado, que nem sempre era o amém com que elas costumam reafirmar os maridos poderosos. O mau-humor que demonstrava com os coleguinhas jornalistas só servia como instrumento de reafirmação, ela nunca precisou de imprensa ou de mostrar a casa na revista Caras para bancar a bacana. Querida xará, a senhora vai fazer falta no nosso já estreito universo, mas uma última benção marcou sua existência – a de morrer rápido, sem dor, sem estardalhaço, sem grandes agonias, discreta e dignamente como pautou toda sua existência. Descanse em paz. Nota do Editor: Maria Ruth de Moraes e Barros, formada em Jornalismo pela UFMG, começou carreira em Paris, em 1983, como correspondente do Estado de Minas, enquanto estudava Literatura Francesa. De volta ao Brasil trabalhou em São Paulo na Folha, no Estado, TV Globo, TV Bandeirantes e Jornal da Tarde. Foi assessora de imprensa do Teatro Municipal e autora da coluna Diário da Perua, publicada pelo Estado de Minas e pela revista Flash, com o pseudônimo de Anabel Serranegra. É autora do livro “Os florais perversos de Madame de Sade” (Editora Rocco).
|