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Crônicas
26/07/2008 - 19h12
Preparem-se, as Olimpíadas estão aí
André Falavigna
 

Isso, e desta vez elas serão em Pequim. A Copa do Mundo de 2002 talvez lhes sirva de exemplo, mas acho que muitos ainda poderão se lembrar do que acontece quando as Olimpíadas são na Ásia, já que a maior parte de nós estava por aqui em Seul, 1988. Basicamente, o único problema é que se tem desculpas para encher a cara numa madrugada de segunda para terça-feira, mas não se tem desculpas para matar o serviço na manhã seguinte. Acaba compensando.

Em Seul, as grandes atrações foram Florence Griffith-Joyner, Ben Johnson, a expectativa por Joaquim Cruz e a surpresa de Aurélio Miguel: naquela época, você só ficava sabendo que o camarada existia depois que ele arrematava medalha, de preferência de ouro. Formamos nossa última grande seleção de futebol que se podia chamar de olímpica, mas tivemos que nos contentar com a prata graças à horripilante arbitragem de um camarada cujo nome e nacionalidade desgraçadamente não me ocorrem agora. Havia uns chineses de braços batatudos que destruíam tudo nas argolas, no cavalo alado ou sei lá eu onde ou o quê. Havia a Luísa Parente, o Róbson Luís, o Zequinha Barbosa e os times de basquete, um esporte que, no Brasil do século XX, era disputado também por homens. Tudo de madrugada ou bem de manhãzinha. Durante o dia, longas reportagens sobre sopa de cachorro, iguaria que justificava as altas taxas de natalidade praticadas na Ásia. Na escola, veiculavam-se boatos sobre banquetes à base de tenros cérebros de macacos vivos, hábito que aliás explicaria o boom de desenvolvimento dos Tigres Asiáticos e, ainda, as boas notas não só dos nossos coleguinhas coreanos, mas dos amarelos em geral. Tinha uma senhora que lançava dardos, mas que não conseguiu índice para viajar a Seul nem mesmo tendo posado nua e ido ao Jô explicar as fotos, a questão dos dardos e qualquer coisa sobre seu soberbo par de coxas. Foi divertido.

Bem, graças ao bom Deus, hoje há a televisão fechada, ainda que, subsidiado pelas experiências de 2000 e 2004, eu esteja desconfiado de que teremos alguns dos mesmos problemas de sempre. Vocês sabem do que estou falando. A Globo e a Bandeirantes parecem acreditar que as Olimpíadas são intermináveis competições de vôlei e ginástica olímpica (ou artística, sei lá eu), entremeadas por esmolas de atletismo e fartas rações de natação. Um basquete aqui, um futebol ali para disfarçar e pronto: sentem-se todos liberados para horas e mais horas e mais horas e mais horas de partidas de vôlei masculino na quadra, na areia, feminino na quadra, na areia e numa casinha de sapé. Desconfio que se consiga transmitir mais partidas de vôlei numa Olimpíada, que tem dezenas de modalidades, do que de futebol numa Copa do Mundo, que tem só futebol e pronto.

Outro ponto. Fica aqui meu apelo desesperado: ou esses filhas de uma puta explicam o que é carpado, de uma vez por todas e sem tergiversações, ou não verei nem deixarei ninguém ver em paz porra de transmissão nenhuma que envolva salto ornamental, ginástica auto-flagelatória ou o que quer que seja que exija dos saltos que eles sejam carpados, retalmente ou não, com ou sem twist e gelo. E não estou sendo grosso: a expressão sequer existe nos melhores dicionários; trata-se duma senha esotérica, iniciática e cujo significado ninguém tem coragem de perguntar. Eu quero gráficos, desenhos, etimologia, exemplos em câmera lenta, ilustrações para facilitar o entendimento. Carpado é a puta que os pariu, compreendem? Ninguém sabe o que é essa porcaria, portanto expliquem-na exaustivamente antes de sair por aí a utilizando como se todos soubessem do que se trata, fiados no temor reverencial que as pessoas têm por gente desconhecida especializada em assuntos exóticos.

Outro benefício da televisão fechada, além da oportunidade de se acompanhar esportes que nunca vemos em outras ocasiões – como o divertido hóquei na grama – é que ninguém tem que aturar Álvaro José, suando em bicas (que susto, hein?) e sendo obrigado a fingir que conhece profundamente todas as modalidades, todos os astros e recordes de cada uma delas, toda a história de todas elas e tudo isso naquela voz ansiosa, insalubre, forçadamente atropelada no desejo de simular segurança. Por outro lado, as opções por assinatura triplicam as possibilidades de bom-mocismo oligofrênico, nas quais o sujeito se sente bem à vontade para aproveitar as Olimpíadas elogiando-as à custa de criticar... o futebol! Isso, o futebol é uma coisa suja, onipresente, opressiva e da qual o COI, aquele colegiado de vestais fogosas e sapecas, vem nos redimir com os exemplos impolutos do vôlei, do pólo aquático, do vôlei, do revezamento quatro por quatro, do vôlei, da equitação e do adestramento e, por último mas não somente, do vôlei e dos telúricos meninos do vôlei. Ainda bem que existe gente como Bernardinho para, do alto de sua postura libertária e desapegada a não mais poder, mostrar-nos o verdadeiro significado gostoso do esporte, compreendem? Aquela coisa – como direi? – coubertiniana de saber perder sem sair quebrando tudo, falando palavrão e agindo como um selvagem futebolista primitivo.

Haverá gente se dopando e sendo pega, e mais gente ainda se dopando e não sendo pega. Estes últimos serão utilizados, pela imprensa esportivo-panaco-educativa, como exemplo de moralidade para aqueles primeiros. A medicina esportiva também os encarará como exemplo para os desmascarados e, se é verdade que não exatamente pelos mesmos motivos, ao menos o fará sem abastecer os já estupendos estoques da panaquice universal. Isso é o que eu chamo de espírito olímpico. Uma coisa louca.

Preparemo-nos, ainda, para um pouco mais do mesmo. A seleção de futebol, a não ser que saia vitoriosa de Pequim – não vejo por que isso seja assim tão improvável – deverá ser posta abaixo, bem abaixo, muito abaixo mesmo de cu de cachorro, sobretudo enquanto todos se esforçarão por contrapô-la à medalha de ouro obtida por gente humilde e batalhadora como Robert Scheidt e Rodrigo Pessoa, num desses arroubos de esquizofrenia que nem toda a humildade e disposição de ambos, aliás verdadeiras, poderá justificar. Algum búlgaro vai levantar muito peso, alguma romena com pinta de marciana – foi-se o tempo em que essas moças eram verdadeiros pitéis – vai se entortar toda e entortar todo mundo, muitos atletas americanos serão vaiados até daqui, do Brasil, onde há quem deposite suas esperanças anti-imperialistas em nações fofas como a China; alguém vai se machucar feio mas, no final, vai sair bem da história, exatamente como algum competidor tão mal colocado que por ele não se possa sentir nada menos do que a mais ferrenha simpatia. Algum queniano vai ganhar alguma corrida bem longa, e alguém vai avacalhar qualquer prova protestando contra alguma coisa – minha aposta é que será contra os poluentes emitidos pelo país anfitrião, já que esse negócio de liberdades individuais, no Ocidente, não anda com nada.

Aposto que as festas de abertura e encerramento serão qualquer coisa sem precedente em toda a História das festividades esportivas – não consigo imaginar ninguém mais adequado para organizar uma festa dessas que não uma ditadura oriental governando uma nação milenar. A China vencerá as Olimpíadas. O Brasil não passará vergonha. Todos nos divertiremos muito, e é quase certo que encontremos ocasião de nos emocionar.

Vai valer a pena, afinal.


Nota do Editor: André Falavigna é escritor, tendo publicado dezenas de contos e crônicas (sobretudo futebolísticas) na Web. Possui um blog pessoal, ofalavigna.blog.uol.com.br, no qual lança, periodicamente, capítulos de um romance. Colabora com diversas publicações eletrônicas.

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