Um dia desses, zapeando pela tevê, parei no programa da Luciana Gimenez. Isso mesmo, eu assisti ao "Superpop", programa da Rede Tv!, que de vez em quando é massacrado pela crítica. A entrevistada (como se a Gimenez soubesse fazer isso) da noite era a apresentadora, cantora e pregadora evangélica Mara Maravilha. Tentando reciclar velhas polêmicas, a entrevistada da noite soltou a seguinte frase: "... é igual macumba, te dá alguma coisa hoje, e amanhã pega de volta. Endireita um lado, escangalha o outro...". Lembrei então dos meus amigos umbandistas e candomblecistas, chamados de macumbeiros. E fiquei preocupado. Vai que a teoria da Maravilha é verdadeira? Durante boa parte da minha infância eu não saia da casa de um amigo cujos avôs eram donos de um famoso terreiro da cidade. A curiosidade da garotada girava em torno de um quartinho misterioso, onde a matriarca da família fazia suas rezas. Pelo pouco que vi do lugar, reparei que durante os rituais eram usadas velas, ervas e mais algumas coisas que os orixás têm direito. No quintal, a gente sempre encontrava uma velinha acesa, um copo d’água e uns fumos de rolo. Sobre o portão da casa ficava uma imagem de São Judas Tadeu em azulejos, nosso "patuá" nas peladas e partidas de bola-de-gude. Lembro-me do dia em que a primeira-dama do Centro estava com os olhos completamente brancos, com as mãos para trás e uma voz estranha, meio robotizada, pedindo cachaça logo para mim, o mais medroso da turma. A cada passo dela eu me afastava um pouco, levando o restante da galera aos risos. No fundo, no fundo eles também sentiam medo. Mas como eu era um dos mais bagunceiros, eles faziam questão de supervalorizar os meus micos. Mas, nesse dia, quem saiu mesmo na desvantagem foi o santo. Ele só queria uns "gorós", nada mais. E ficou na vontade. Eu fui embora sem sequer oferecer água para o coitado. Outro fato que comprova a minha – boa – relação com os macumbeiros foi no dia em que outro famoso terreiro da cidade fez uma festa para o Preto Velho. Minha mãe achou que eu estava na cachoeira. Não poderia passar na cabeça dela, uma evangélica convicta, que o seu filho, também evangélico (não tão convicto, até então), estaria no meio de um monte de crianças dentro daquele terreiro. E o pior: que ele ganharia o concurso de quem imitava melhor a entidade. Recebi como prêmio uma bacia de doce, que foi rapidamente devorada pela turma. Meus amigos que batem o tambor e rodam a baiana são gente boa, ora essas. Eles não mereciam que a teoria de Mara Maravilha fosse verdadeira. Então, comecei a pensar na vida de cada um deles. Uma teve um derrame facial, recuperou-se, e depois teve queimaduras por todo o corpo por causa de um produto natural. O avô do meu amigo, por exemplo, está vivo. Sempre falo com ele. Mas ele, infelizmente, não responde. Perdeu sua voz depois de um câncer na garganta. O outro perdeu as pernas em decorrência de uma diabetes. Uma tia, também macumbeira, morreu sem um pingo de ar, com os olhos arregalados. Ai, meu Deus... Será? Não! Não pode ser. Conheço evangélicos cegos, católicos aleijados, espíritas que morrem tragicamente e ateus que sofrem como qualquer religioso. Sendo assim, penso que o importante mesmo não acontece aqui, na terra. O segredo está, talvez, em um lugar onde teoria alguma explica o sobrenatural – lá, ele é, simplesmente, vivido. Nota do Editor: Rafael Coelho é acadêmico de jornalismo e editor-chefe do site www.palavriando.com.br. Publicou nas antologias "Vide-Verso" e "Relatos Urbanos", da Andross Editora e está em fase de produção do livro-reportagem "Outras Histórias do 174".
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