Argemiro dormia profundamente, quando foi sacudido pela mulher. - Argemiro, acorda, deixa de ser dorminhoco. - O que houve? Incêndio? Mexeram na porta? - Não está escutando? - O quê? - O esporro que os novos vizinhos estão fazendo na nossa cabeça. - Norminha, esquece o esporro, coloca o travesseiro no ouvido e dorme. - Como? Impossível. Tá uma arrastação de móvel filha da puta. - E o que é que você quer que eu faça? - Bate lá e pede para parar com a zona que eu quero dormir! - Que horas são? - Quase uma. - E você acha que vou brigar com vizinho a essa hora? Amanhã você escreve no livro. - Não consigo dormir! - Toma um calmante, daqui a pouco pára. - Você é um covarde. Tá morrendo de medo de apanhar do vizinho. - Nada disso. Tô com sono. Acordo seis e meia para trabalhar. - Não vou deixar você dormir... vou ficar cantando até você ir lá em cima... lálálálálá... Argemiro levantou resmungando e quando saía do quarto, a esposa gritou: - Vai de cueca? Colocou o short e saiu pisando firme. Subiu as escadas reclamando. Não conhecia os novos vizinhos. ”E se um homem atendesse à porta armado?“ Um frio percorreu-lhe a espinha. Imaginou-se ensangüentado, rolando pelas escadas. “Morte triste para um cidadão que paga impostos!” – pensou, apavorado. Ficou com medo de tocar a campainha. Olhava para a porta e batia o pé nervoso. Açoitado pelo fantasma da dúvida, ficou com o coração apertado. “Será que o barulho já acabou? E se não acabou? Teria que aturar Norminha gritando nos seus ouvidos. O que seria pior? Um tiro ou os gritos da Norminha?” Andava no corredor em círculos. A cabeça latejava de tanto pensar. Tocou a campainha. Nada. Tocou novamente. A porta abriu-se. Argemiro ficou atordoado ao colocar os olhos em uma loira de um metro e setenta, cabelos longos, olhos verdes e coxas grossas, com uma camisolinha micro, vermelha, transparente e calcinha da mesma cor. - Pois não? O que o senhor deseja? – falou, cheia de erotismo na voz. Argemiro ficou mudo. Beliscou-se. A vizinha tentou ajudá-lo: - O senhor está passando mal? Quer que eu chame uma ambulância? - Você é real? – disse, com a boca mole. Ela apenas sorriu e balançou a cabeça afirmativamente. Ele estendeu a mão procurando intimidade. - Desculpe. Meu nome é Argemiro, sou seu vizinho debaixo. A mulher deu um gritinho sexy e respondeu, manhosa: - Já sei, estou fazendo barulho na sua cabeça, né!? - É, e eu acordo cedo e não tô conseguindo dormir. Num impulso, a vizinha puxou-o para a sala. - Entre, por favor. Meu marido viajou e fiquei sozinha. Apareceu uma aranha enorme, e estou tentando matá-la. O senhor pode me ajudar? Argemiro estufou o peito, engrossou a voz, pegou o chinelo e gritou: - Cadê ela? Vamos matar a fera. AGORA! Aranhinha... vem cá com o titio, vem. Ajoelhou-se e com o chinelo na mão, saiu rastejando-se pelo apartamento. A loira fez o mesmo. Em seguida, colocou o traseiro estrategicamente virado para Argemiro. Ficaram agachados durante cinco minutos, até que ele, com os joelhos doloridos e entontecido pelo traseiro da mulher, levantou-se coçando o corpo. - Ela deve ter fugido. Não tô vendo aranha nenhuma. A loira aproximou-se, pegou a mão direita dele e colocou-a entre seus seios, que saiam protuberantes da camisola. - Sente como o meu coração tá acelerado. - Ai, coitadinha, imagino como sofreu com essa aranha malvada. Discretamente, Argemiro foi descendo a mão, mas a vizinha colocou-o para fora com pequenos empurrõezinhos. - Obrigada pela sua ajuda. Pode deixar que eu não vou mais fazer barulho. Antes de fechar a porta, ela passou a língua pelos lábios carnudos. Argemiro desceu as escadas como se tivessem lhe roubado um doce apetitoso. “Mulheres, quem as entende?”- filosofou. Pensando nas coxas grossas da loira, chegou em casa com a respiração ofegante. Encontrou a esposa dormindo. Excitado, acordou-a com um beijo no pescoço. - Vem, danadinha, não sei porque, mas fiquei com vontade de transar depois de matar uma aranha no apartamento da vizinha. Acordada repentinamente, Norminha pensou em rejeitar-lhe o carinho, mas ficou arrepiada com o apetite sexual do companheiro. Fazia tempo que ele não agia com tamanha volúpia. Naquela madrugada, ele despertou-lhe o corpo adormecido pela rotina. Ela chegou ao êxtase, sentindo-se uma bailarina, flutuando no compasso do Bolero de Ravel. Nas noites que se seguiram, passou as madrugadas em claro, esperando por um barulho vindo do andar de cima. Ansiosa, com o silêncio a palpitar-lhe o íntimo, jurou solucionar o problema. Dois dias depois, Argemiro chegou do trabalho e quando abriu a porta, sentiu uma fisgada no peito. Norminha estava encolhida num canto do sofá, rodeada por miríades de aranhas, de todas as espécies e tamanhos. Elas subiam pelas paredes com desenvoltura e entravam afoitas pelos buracos do ar-condicionado. Nota do Editor: Celamar Maione é radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.
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