Suponha-se convidado para uma feijoada. Você, é claro, se condiciona para o evento gastronômico. Discreta dieta preliminar aguça-lhe o apetite. Boas caminhadas realizam prudente queima prévia de calorias. E você vai à luta com disposição. A mesa foi posta e bem posta: salsinha, laranja fatiada, couve, arroz branco, farofa, bacon, torresmo. Tudo de bom. Mas em momento algum aparecem o feijão e as carnes. Pode? Não. Só existem, portanto, duas explicações para tal enigma: ou os anfitriões foram acometidos do Mal de Alzheimer ou estão gozando com a sua cara. Você chama o médico ou sai no braço? Pois é essa a dúvida que me assalta quando ouço falar em financiamento público de campanha e voto em lista fechada como sendo “a Reforma Política”. Couve e farofa? Coveiros e farofeiros! Cadê o prato principal, companheiros? Em 2006, o Congresso Nacional votou outra “reforma política” que proibiu a distribuição de camisetas e chaveirinhos pelos candidatos. Cebolinha e ovo picado. A reforma política de que o Brasil precisa, como primeira e essencial a todas as demais reformas, deve começar pelo diagnóstico das nossas muitas deformidades e apontar-lhes as causas institucionais. A partir daí, há de tratar, seriamente, de: repartir as funções hoje acumuladas de modo unipessoal pelo presidente; promover uma nova divisão dos poderes; adotar o voto distrital misto para as eleições parlamentares; assumir modelos que permitam ao eleitor retomar mandatos; reduzir substancialmente o número de partidos e por aí afora. Ou seja, tem que ter, pelo menos, feijão, carne, paio, lingüiça, costelinha, lombo de porco. Se não, é desaforo ou caso de tratamento, porque voto em lista fechada é golpe congressual e maior financiamento público para as campanhas eleitorais é sangria adicional aos contribuintes. Tira dinheiro da ponta das necessidades sociais urgentes para entregá-lo aos caciques partidários. Me explico. No sistema por lista fechada resulta ínfima a possibilidade de renovação porque os partidos não são tolos e se inclinarão a manter nas primeiras posições de suas nominatas os atuais parlamentares, ou seja, aqueles que já conquistaram mandatos com boa votação pessoal. Ora, a presente configuração do Congresso atribui ao governo Lula uma base maior do que a base da pirâmide de Quéops. O Mickey não precisará explicar o resultado dessa manobra nem para o Pateta. Quanto ao financiamento público, parece idéia do Tio Patinhas. Ou alguém acredita que a adoção desse modelo fará cessar o financiamento privado das campanhas? A quem quiser conhecer, de modo atraente, o funcionamento de um bom sistema político, recomendo a leitura do livro (infelizmente não foi editado em português) “First among equals”, de Jeffrey Archer. O autor é ex-membro do Parlamento Britânico e hoje um novelista ainda mais bem sucedido. A obra acompanha a vida política e pessoal de quatro parlamentares ao longo de vários anos e vai mostrando como se formam os governos, os importantes papéis desempenhados pela chefia de Estado (a rainha no caso britânico), como funcionam na prática as eleições distritais e como, sob tais regras, se constroem as carreiras políticas. Podemos aprender com quem sabe ou consultar o Evo Morales. Ou, ainda, aceitar como boa feijoada uma mistura de salsinha, couve e farofa. Nota do Editor: Percival Puggina (www.puggina.org) é arquiteto e da Presidente Fundação Tarso Dutra de Estudos Políticos e Administração Pública. Conferencista muito solicitado, profere dezenas de palestras por ano em todo o país sobre temas sociais, políticos e religiosos. Escreve semanalmente artigos de opinião para mais de uma centena de jornais do Rio Grande do Sul.
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