Acostumara-se a levantar apenas quando a empregada, maternal, solícita, lhe estendia o copo de café quentinho. Ela se espreguiçava, infantil, bebia a pequenos goles e, ainda vacilante, se metia no chuveiro. Havia prazer naquilo, naquela rotina de dar pequenas ordens e ser atendida sem protestos. Mas do cotidiano veio a intimidade, e a empregada passou a confidenciar suas picantes aventuras amorosas sem enrubescer. Nesse item, a jovem patroa perdia, porque, de tão auto-suficiente, ignorava homens, tinha pouco sucesso com eles, esquecera das sutis vaidades que os excitam e seduzem – uma frustração jamais admitida. Jamais admitida, mas verdadeira; dolorosa, sobretudo, porque nesse ponto a empregada era mais feliz que ela, mais mulher que ela, mais competente que ela, pois tirava prazer daquilo em que a outra fracassava. Envergonhada da própria solidão, reagiu a tempo. Agora, antes de a empregada chegar, desarruma a cama, suja copos, deixa guimbas nos cinzeiros – cenário da pretensa orgia. E ainda se queixa da cistite. Nota do Editor: Daniel Santos é jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de O Estado de S. Paulo e da Folha de S. Paulo, no Rio de Janeiro, além de O Globo. Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
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