Passei boa parte da minha infância no quintal do meu avô Raimundo. Tinha campinho de futebol, galinha d´angola, riacho com peixes coloridos, hortinha, goiabeira, pé de acerola, pitanga e algumas outras árvores, além da tão requisitada – e funda – piscina. Mas o que eu mais gostava mesmo era do carneiro, uma espécie de bomba d´água que não precisa de energia elétrica, mas que faz um barulho estrondoso, parecido com o grito de uma araponga. Lembro-me que, ao sair da escola, aproveitava a carona de bicicleta do meu primo para ir até lá. Quando chegava, minha avó perguntava: "sua mãe sabe que você está aqui?". Eu sempre dizia que sim, o que nunca funcionava. Bastava a empregada lá de casa avisar a minha mãe que eu não havia chegado da escola que ela logo ligava para minha avó. Convocado a ir para casa, eu nunca obedecia a ordem da minha mãe. Eram muitas atrações em um lugar só. Não havia videogame ou gibis que me faziam preferir as tardes quentes lá de casa. Com a morte da minha avó o quintal foi perdendo o encanto: meu primo foi embora, as galinhas d´angola foram para a panela, algumas árvores cortadas, os peixes sumiram junto com o riacho, a horta virou churrasqueira e, o campinho, garagem. Restou apenas a piscina e o velho carneiro. Alguns finais de semana e em comemorações especiais a família ainda se reúne, mas não é a mesma coisa. Meu avô ainda está por lá e quando a turma aparece o velho fica todo bobo. Nem parece aquele rigoroso avô... Vejo a geração mais nova se divertindo e lembro dos mais velhos, dizendo aos da nossa que o quintal do vô Raimundo já foi bom um dia. Há algum tempo pulei na piscina e esqueci que havia crescido – bati com os joelhos no fundo! Lembrei de quando batia a barriga na água, dos gritos da minha mãe dizendo que iria passar mal, da minha tia tentando convencer a gente de que iria cair um raio na nossa cabeça caso continuássemos tomando banho de piscina na chuva... Então fica a dúvida: teria o quintal do meu avô mudado tanto ou eu que já não sou mais o mesmo? Nota do Editor: Rafael Coelho é acadêmico de jornalismo. Publicou nas antologias "Vide-Verso" e "Retratos Urbanos", da Andross Editora. É editor-chefe do site www.palavriando.com.br e está escrevendo o livro-reportagem "Outras histórias do 174".
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