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Opinião
31/08/2008 - 06h00
Mentira, hipocrisia e aleivosia
Mario Guerreiro - Parlata
 

O que há de comum entre a ironia, a mentira e a hipocrisia é que são formas de fingimento. Toda e qualquer forma de fingimento tem como finalidade imediata inocular uma falsa crença no destinatário da mensagem, mas nem toda forma tem como finalidade última tirar algum proveito escuso desse mesmo. Por exemplo: numa conhecida brincadeira, alguém finge ser uma figura famosa, imitando seu modo de falar, seus trejeitos, cacoetes etc., para que os outros adivinhem de quem se trata. Ora, quem faz isso não visa a tirar proveito escuso de ninguém: pretende apenas divertir os outros; quando muito testar suas capacidades de observação psicológica.

O ator que representa - digamos: Ricardo III - não só tenta imitar o andar do mesmo (um homem muito feio, coxo e corcunda) como também seu caráter de vil intrigante, homem sem quaisquer escrúpulos e de desmedida ambição; magistral retrato shakespeariano de um fervoroso seguidor da mais imoral das máximas imorais: Os objetivos justificam os meios, e para quem consciência é “apenas uma palavra usada pelos fracos, para amedrontar os fortes”. Só por uma incrível coincidência, o aludido ator possuirá os mesmos vícios da personagem que representa, e isto é inteiramente irrelevante do ponto de vista da arte dramática.

O que é relevante é o ator fingir bem que é esta personagem, pois procedendo desse modo poderá criar uma impressão de realidade no público. Isto significa dizer que este não experimentará nenhuma dificuldade em fazer-de-conta que o ator é a personagem, diferentemente do que costuma acontecer com canastrões ou principiantes na arte de representação dramática. Há fingimento, sem o qual, torna-se inviável a referida arte, mas não há uma finalidade última de tapear, passar a perna nos outros.

Como já dissemos, em grego ator é hypokrita, mas diferente da palavra latina: actor, não tem o significado primário de “agente”, “aquele que age ou atua”; tem o significado primário de “aquele que finge”, “aquele que se esconde por detrás de uma máscara” [Lembramos que no teatro grego os atores costumavam usar máscaras; prósopon em grego (daí, prosopopéia) e personae em latim e daí as palavras “personagem” e “personalidade”]. Tanto o ator como o hipócrita (no sentido usual desta palavra) fingem; tanto o ator como o hipócrita usam “máscaras”, com a diferença de que est’último usa uma máscara somente no sentido figurado, ao passo que aquele a costuma usá-la também no sentido literal, porém não tem a intenção de passar o(s) outro(s) para trás, intenção esta dificilmente ausente no caso da hipocrisia.

De modo a caracterizar a aleivosia e distingui-la tanto da hipocrisia como da mentira, passaremos a reproduzir aqui o obituário antecipado que fizemos de Yasser Arafat em que estarão presentes tanto observações psicológicas como de natureza histórica.

Há alguns anos estamos escrevendo um dicionário crítico inspirado no Dictionnaire Philosophique Portatif de Voltaire, publicado em Londres em 1764. No nosso não faltam nomes de presença constante na mídia, seja por suas virtudes ou seus vícios. E assim sendo, não podia faltar o verbete...

arafat, yasser - (? – ainda vivo em dezembro de 2003). Não confundir com Ararat, aquele monte em que ficou pousada a arca de Noé após o dilúvio. Trata-se daquela cara de sapo bastante conhecida na tela da TV. Ex-líder guerrilheiro de Al Fatah, uma daquelas incontáveis facções muçulmanas que desejam varrer Israel para o mar e que foi responsável pelo atentado nas Olimpíadas de Munique, que matou a maior parte da equipe israelense. Arafat abandonou a guerrilha e até recebeu um Prêmio Nobel da Paz. Daí para diante, mostrou-se “cordeirito” – como dizia o analista de Bagé - e passou a ser o líder da assim chamada “Autoridade Palestina” em que a autoridade é exercida mesmo por um só palestino: Yasser Arafat, o Califa da Cocada Preta ou, caso se queira, o Emir do Quibe Mofado.

Na mídia sempre aparece fazendo candentes apelos à paz no Oriente Médio, mas por baixo do pano financia e protege unibombers contra Israel e terroristas contra os Estados Unidos. Mas acabamos de ver um documentário na GNT que nos deixou simplesmente estupefatos. Entre outras coisas, Yasser Arafat é possuidor de uma fortuna pessoal avaliada entre 1.000.000.000 e 3.000.000.000 de dólares, devidamente protegida em bancos suíços. É anti-sionista, mas não é antiacionista, pois possui ações de várias transnacionais entre otras cositas más. E isto é confirmado por um palestino que está fazendo uma devassa no movimento financeiro na Autoridade Palestina.

De onde se infere que o cara de sapo é na realidade um cara-de-pau, tal como Fidel Castro, o homem mais rico de Cuba e do Caribe, segundo a revista Forbes. É claro que seus admiradores dirão que se trata de uma difamação feita por um grupo de americanos desejosos de ler a manchete de sua morte. Num de seus discursos, ele declarou ter sofrido 300 atentados da CIA. Das duas, uma: ou a CIA é extremamente incompetente ou El Coma Andante está disputando o Troféu Cascata com o Barão de Münchhausen (Tertium non datur).

É verdade que Arafat está há algum tempo vivendo dentro de um Bunker em que poucas oportunidade tem de gastar sua boa grana e ainda por cima corre o sério risco de ser mandado pelos ares por um ataque israelense. Mas, em compensação, Madame Arafat, gorducha, com seu cabelo oxigenado e belas roupas de griffe, vive luxuosamente em Paris com dinheiro afanado do miserável povo palestino. Mas cada povo tem o governo que merece. E isto só não vale para o Brasil, evidentemente.

Não é má-vontade de minha parte, mas considerando figuras tais como Satan Hussein no Iraque, Kadhafi na Líbia e Arafat na Autoridade Palestina, parece que líder muçulmano é cada um pior do que o outro, mesmo quando não pretende fazer a tal de Jihad contra os infiéis, entenda-se: judeus e cristãos. Mas na Terra dos Papagaios em que cada vez é maior o sentimento antiamericanista e anti-israelense por tabela – essas figuras execráveis costumam ser cultuadas como heróis. Não é de surpreender, pois há muito tempo que, nesta mesma terra, os bandidos viraram mocinhos e os mocinhos bandidos, numa completa inversão dos valores dos vestustos filmes de faroeste em que bandido era bandido mesmo e mocinho era John Wayne ou, para os menos andados em anos, Clint Eastwood.

Aleivosia - De acordo com o DILP, “maquinação contra a vida, os bens, a honra de alguém, acompanhada de demonstrações de amizade”. [obs. DILP é abreviatura de Dicionário Ilustrado da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras]. Parece um sinônimo de “hipocrisia”, mas não é. Em ambas, aleivosia e hipocrisia, tem de estar presente esta ou aquela forma de fingimento de caráter perverso, mas a prática da hipocrisia não envolve necessariamente maquinações contra a vida, a honra ou bens do outro. Por exemplo: o assim chamado “alpinista social” pode pôr em prática a hipocrisia para subir na vida ou para se defender de graves acusações à sua pessoa.

Por exemplo: a asserção negativa “Eu não tenho conta em nenhum banco suíço”, pode adquirir diferentes valores lógicos, dependendo do contexto de sua enunciação (proferimento). Dito por este modesto professor universitário que aqui escreve ou por seus honestos leitores, seria a mais pura expressão da verdade. Dito, porém, por determinado político de longa e altamente suspeita carreira em São Paulo...

Caso típico de aleivosia foi o dos japoneses. Enquanto uma missão diplomática estava em negociações de paz em Washington, foi desfechado o traiçoeiro ataque a Pearl Harbor e destruída boa parte da frota americana do Pacífico – razão pela qual os Estados Unidos declararam guerra ao Império Nipônico com seu imperador decorativo e seu trio de militares fascistas como governantes efetivos. Aleivosia é o que faz Yasser Arafat: profere um discurso pacifista para a mídia internacional e posa de bom moço, mas comanda atentados terroristas contra Israel. Aleivosia é o que fazem aqueles que costumam desfilar em passeatas pela paz acenando lencinhos brancos, mas aplaudem invasões de fazendas produtivas feitas pelos sem-terra – o que produz o risco de conflitos armados e mortes, efeitos que nada têm de pacíficos.

Atualização feita em 15 de novembro de 2004 - Em 13/11/2004 morreu Yasser Arafat, após uma semana na UTI de um hospital em Paris. Quanto à causa mortis, os médicos foram reticentes, mas há sérias suspeitas de que foi envenenado, não pelo Mossad – o serviço secreto de Israel – mas sim por membros de seu próprio entourage, sequiosos para assumir o Poder. Antes de ser levado para o Cairo, onde seria velado, e posteriormente para a Palestina, onde seria enterrado, teve direito a um pré-velório em Paris com banda militar tocando La Marseillaise e tudo o mais [notinha providencial: La Marseillaise é o hino nacional francês composto por Rouget de Lisle em 1792 durante a ingloriosa Revolução Francesa. Gloriosa foi a Revolução Inglesa de 1688].

Confesso que fiquei tão pasmado quanto teria ficado, caso os franceses tivessem executado seu Hino Nacional quando da morte do marechal Pétain, lambedor de botas dos nazistas que comandou a subserviente República de Vichy (1940-1944), a maior vergonha nacional francesa depois do abominável Napoleão. E ainda ficam dizendo por aí que tenho implicância com muçulmanos e pinimba com franceses. Tenho é boas razões para não apreciar ambos. Quanto a Arafat, já se sabe o que penso, mas quanto a Napoleão, só saberá aquele que ler Paul Johnson (2002). Nessa obra, o grande pavão francês é completamente depenado por um grande historiador inglês. Querem uma pequena amostra? Vejam, então, o que dizia o grande general Wellington numa carta sobre o pequeno corso:

“Dificilmente posso conceber algo maior do que Napoleão no comando de um exército, especialmente de um exército francês. Ele possuía uma vantagem prodigiosa: não tinha responsabilidade e podia fazer o que quisesse. Ninguém jamais perdeu tantos exércitos quanto ele. Para mim, ao contrário, a perda de cada homem era importante. Eu não podia arriscar-me. Sabia que, se alguma vez, perdesse 500 homens sem absoluta necessidade, seria levado de joelhos e julgado pela Câmera dos Comuns.” (Johnson, 2002, p. 66, o grifo é nosso).

A grande diferença é que na Inglaterra, desde 1689 - um século antes da Revolução Francesa e sua pior conseqüência: o bonapartismo – havia um Parlamento cujos membros eram eleitos pelo povo a quem tinham de prestar contas de seus atos, ao passo que Luís XVI dizia que só tinha de prestar contas dos seus a Deus, e Napoleão - que obrigou o Sumo Pontífice a coroá-lo imperador - não tinha de dar satisfações a ninguém, a não ser a ele mesmo, grande autocrata que era. E por estas e outras coisas típicas dos frogs que, ao chegar à Inglaterra, a estação do Eurotunel tem o nome de Waterloo Station. Certamente em homenagem a Napoleão. E a isto dá-se o nome de British sense of humour...


Nota do Editor: Mario Guerreiro (xerxes39@gmail.com) é Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade. Autor de obras como Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000). Liberdade ou Igualdade (Porto Alegre, EDIOUCRS, 2002).

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