Algumas horas dentro dos trens de São Paulo e muitas histórias já podem ser contadas. Outro dia eu voltava da casa de uma tia minha, em Santo André, e decidi escolher o trem como o transporte público para levar-me ao aconchego de meu lar. Entrei na estação, comprei o bilhete, rodei a catraca e esperei o trem chegar sentado em uma das horríveis cadeiras que a prefeitura da cidade oferece aos passageiros. Ou seja, nós. Já estava viajando na maionese, pensando sobre o encontro com uma gata no dia seguinte, o futebol que o Caju marcou e a corda da guitarra que quebrou, quando escutei um papo de dois amigos que me chamou a atenção: - Mano, tá ligado os busão de hoje? - Tô mano, que que tem? - Tão loco os busão de hoje, véi. Agora tem umas cadeira azul, tá ligado, e umas amarela, véi. - Eu vi. Tava indo pro trampo quando vi as cadeira. Muito macia, mano. - É então, véi. Só que cê sabe, mano, por que que essas cadeira é diferente? As azul das amarela? - Nem tô ligado ó. - É porque as amarela é pra velho, grávida, quebrado e mais uns cara aê. - Nem sabia, véi. - É então. Mas um dia desses daí, voltando das correria do trampo, tá ligado, sentei em uma cadeira amarela. Do lado do maluco que dirige o buso. Da hora. Mó emoção, tá ligado? - Cê é louco, tru. Eu melava as cueca no primeiro breque. Os dois deram muita risada e a conversa parou. Percebi que o motivo da pausa foi a aproximação do trem. Decidi então seguir os amigos e saber o desfecho da história. O trem parou, abriu as portas e entramos. Estava vazio. Acho que era um fim de semana. Bom, sentei próximo aos dois e esperei a conversa continuar. O trem acelerou e a conversa continuou. - Ai véi, você é fogo. Mas então, eu sentei na amarela, pá, quando vi uma mina meio velha, tá ligado, devia ter uns sessentão, sei lá ó, chegando perto da minha cadeira. A véia ficou me olhando, tá ligado, como se eu tivesse matado alguém, véi. - Eita pô. - É quente! Aí, um maluco que tava atrás de mim, pegou, levantou da cadeira amarela, que ele tava, e deixou a mina véia sentar. Foi aí que eu entendi! - O que, mano? - A véia queria roubar meu lugar, tru. - Que safada! - Pode crer. Mas aí outro dia, eu consegui arrumar um lugar da hora, tá ligado, do lado da porta. A única zica é era amarela a cadeira. E pra piorar, mano, eu vi uma grávida chegando junto. Foi aí que me deu uns cinco minutos, mano, e eu peguei, levantei da cadeira, e dei lugar para a mãe e sua barrigona. - Era seu o filho né, véi? - Nem, tru. A mina era é o cão chupando manga, véi. Nem de graça! Mais risos dos amigos. E eu segurando os meus risos. - Deixa eu continuar, mano. Essas cadeiras me ensinaram muito, véi. - Por que, mano? - Porque, mano, a gente é tudo forte, agüenta ficá em pé, tá ligado, os véio, as barriguda, os deficiente, não mano! Aí é embaçado, tá ligado, ficá sentado nas cadeira, pagando de cansado, e os cara em pé. - Pode crer. - Hoje eu levanto até quando tô sentado nas cadeira azul! - Que bonitinho. - Ah mano, pelo menos durmo bem pra caramba, véi. - Ih, velho. Tá muito meiga essa sua história, hein? - Ah, vá te catar. O trem parou. Uma voz anunciou a estação. Os amigos saíram e suas histórias também. Repito aqui uma frase que alguém me disse uma vez: “Alguns simples minutos podem nos trazer lições de vida.” Nota do Editor: Guilherme Fuoco é jornalista.
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