Primeiro, espero que seja um projeto secular, só executado e concluído depois na última década deste século. Contudo, é preferível estar pronto no caso de alguma surpresa. No título acima, o “velório” é apenas por uma questão de tradição. Mas não quero, e já peço, desde já, que não acendam velas no meu velório. Fazem fumaça e aquecem o ambiente infernalmente. Coloquem ventiladores girando em velocidade suave: dará a sensação das brisas do céu. E não desejo que alguém fique me imaginando ir para o inferno. Nem que chamem de “câmara ardente” a minha exposição fúnebre. Se eu tiver que arder, que arda sem ninguém saber, pois quero deixar a impressão de que fui para o céu. Como deverão, então, chamar os meus últimos instantes antes de descer ao subsolo? Chamem de “o último chá beneficente de Seu Pedro”, cujo resultado apurado deve ser revertido para alguma família carente, já que, pela quantidade de amigos que tenho, creio que não serão recolhidos muitos alimentos. Explico: haverá um chá às cinco horas, uma hora antes do cemitério encerrar o expediente. Amigos, familiares ou curiosos querem ver o meu corpo de camiseta cavadão, sem gravata colorida, mas com um sorriso eterno? Então levem um quilo (melhor será dois) de alimentos não-perecíveis. Aviso que não vale levar sal, fubá, farinha de mandioca ou macarrão familiar. Levem coisas boas. Afinal, um gesto destes acontece uma vez na morte. Então não sejamos miseráveis como o fiel da missa, que procura a nota de real mais velha e amassada para dar ao seu Deus. Ora, se é para dar, que se dê com desprendimento. E ameaço a quem não levar o que solicito que “voltarei” para lhe puxar o pé. Isto nunca acontece, mas a maioria tem medo e vale o blefe. Em se tratando daqueles que viviam torcendo para que eu embarcasse para a última viagem, primeiro espero que nem tomem conhecimento da minha morte. Será até engraçado eles enxergando algum sósia meu e dobrando as esquinas às carreiras. Ou então, me enviando mensagens ofensivas pelo e-mail, sem nenhuma resposta malcriada. Se frustrarão! Ou, ainda, arquitetando planos para me ver irritado. Qual! Estarei no paraíso (espero) com os anjos, ou no inferno, com centenas de outros jornalistas. E se é que a gente lá do alto pode enxergar alguma coisa aqui na Terra. Não se assustem ao ouvir minhas gargalhadas, parecidas com as que em vida terei dado, ao ouvir promessas de políticos. Estes podem dispensar a doação dos alimentos. São almas famintas. Flores? Por favor, no máximo algumas de tecido, feitas por alguma alegre vovó, não mais que meia dúzia. Flores de plástico, não. Não sou adepto de coisas artificiais como o “forró de plástico” ou o “axé de silicone”, tão vulgares como “samba de academia”. Samba é do povo e tem que ser de gafieira. Os bumbuns femininos, por exemplo, só são agradáveis quando são de carne, mesmo na versão econômica. Nada de silicones! Se fosse para apalpar bumbum artificial, ficaria viúvo de um manequim, destes que ficam em vitrinas de lojas. Flores verdadeiras? Estas jamais! Sejam as compradas na floricultura, ou tiradas do jardim. Nunca me fizeram mal algum para que eu as “mate” e as leve junto à sepultura. Se julgarem que devem fazer algum culto, para consolo dos vivos, que seja com ritmos cristãos, mas bem alegres, acompanhados de uma banda gospel. Aquele que diz “a alegria está no coração / de quem conhece Jesus”, será bem-ouvido, pelos vivos. Escolho, como leitura bíblica: “Disse então Maria: a minha alma engrandece ao Senhor. E o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador”. (Lucas 2:46-47). Em determinado momento, em que for servido o chá da tarde, a minha amada – a minha última esposa, a atual, sempre será minha amada – ouvirá, em voz e violão, cantar um cantor que seja bonito. Afinal, mulheres ouvem e olham o interprete da canção. Dirá ele, na ocasião meu porta-voz, que eu dedico à minha família, principalmente à minha amada, a canção poética de Vinicius de Moraes “Eu sei que vou te amar”. E peço que, se minha amada chorar, que chore pela emoção que transmitem os versos, e não pela minha morte. Ao final da solene tarde, uma hora antes de expediente do cemitério, carregando o caixão qualquer grupo voluntário, na frente seguirá uma faixa, em boas letras, para que todos da cidade leiam: “Por tudo de bom que vivi com Tení (como chamo, carinhosamente, minha amada) liberto, agora, o amor que aprisionei em mil novecentos e noventa cinco. Do dia que cativei até hoje fui muito feliz”... Que então desça o defunto e com ele todos os orgulhos, superioridades, vontades, imposições e desejos pessoais. Mas que os sonhos fiquem. Que o mundo seja melhor! Nota do Editor: Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, DRT-398/BA, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi Bahia... É jornalista investigativo, escritor, poeta, e adepto do humor. Também conhecido como “Jornalista do Sertão”. E-mail: seupedro@micks.com.br.
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