O preço da incapacidade do Estado
A tragédia ocorrida na semana passada em Ribeirão Pires, na Grande São Paulo, com os meninos João Victor e Igor, de 13 e 12 anos, provavelmente será esquecida bem mais rápido do que o caso da menina Isabella Nardoni, que durante dois meses ocupou muito tempo e espaço nos noticiários. Ainda que no caso dos meninos - mortos, esquartejados, queimados e jogados no lixo pela madrasta, assassina confessa, com a possível ajuda do pai, um vigia noturno que nega participação no crime - os detalhes do crime sejam ainda mais chocantes. Há, talvez, pontos em comum com o caso Isabela: uma madrasta, um pai biológico de postura duvidosa e um possível histórico de situações violentas envolvendo a família. Com João Victor e Igor, há o reconhecimento da situação por vizinhos e autoridades, que já prenunciavam algo de muito grave prestes a acontecer - e que aconteceu. Mas há também outros aspectos nesses dois crimes que chamam a nossa atenção. Primeiro, a disparidade na intensidade e na forma como ambos foram noticiados pela imprensa. Conquanto a dúvida sobre a autoria do crime tenha alimentado o imaginário das pessoas, parece que no caso da Isabella, o que mais chocou a sociedade foi o fato de que atitudes violentas não são esperadas de pessoas em melhor situação social ou intelectual. Já no caso dos meninos pobres, João Victor e Igor, parece que o crime é visto como algo previsível e até certo ponto normal. A violência doméstica contra crianças, porém, não pode ser vista como um problema exclusivo dos mais pobres e não ocorre somente em países subdesenvolvidos. Segundo um estudo realizado pelo cientista político Paulo Sérgio Pinheiro para a ONU em 192 países, durante três anos, estima-se que entre 133 e 275 milhões de crianças sofram algum tipo de violência anualmente em todo o mundo, inclusive nos países mais ricos. O que mais chama a atenção no caso dos meninos de Ribeirão Pires foi a incapacidade das autoridades de prever a agir adequadamente para evitar a tragédia. A situação dos meninos já era conhecida da polícia, da Vara da Infância e da Juventude local e do Conselho Tutelar do Município há três anos, ou seja, desde que os garotos tinham entre 8 e 10 anos. Eles chegaram a ser afastados da família por ordem judicial, mas retornaram porque os técnicos do abrigo onde estavam entenderam que os mesmos "manipulavam a verdade". Não podemos e não devemos condenar os poderes e profissionais envolvidos pelo que aconteceu, mas é certo que algo falhou, e os equipamentos públicos não foram capazes de agir com eficiência e a tempo de evitar a tragédia. Em 2007 o presidente Lula instituiu uma lei que criou a semana de combate à violência contra a criança, a ser relembrada em outubro de cada ano, mas até o momento pouca coisa mudou. Precisamos de políticas públicas mais claras e principalmente, de investimentos. Só para os Estados Unidos, a violência e negligência contra a criança custaram cerca de 104 bilhões de dólares em 2007. No Brasil, embora não saibamos com exatidão o tamanho da conta, com certeza ela também custa muito. Enquanto não houver uma mudança de postura da sociedade em relação ao problema, cobrando das autoridades providências claras e eficientes, casos como os de Isabella, João Victor e Igor continuarão acontecendo. Se o Estado não tem condições de prestar a assistência adequada a crianças abusadas e seus familiares, deve dividir a tarefa com entidades que se proponham a fazer esse trabalho de forma séria - e fiscalizá-las. Obs.: Até o final da semana passada ninguém havia ido ao IML de Ribeirão Pires reclamar as partes dos corpos de João Victor e Igor para enterrá-los dignamente. Nota do Editor: Wagner Odri é presidente do IHF - Instituto Herdeiros do Futuro.
|