05/09/2025  04h01
· Guia 2025     · O Guaruçá     · Cartões-postais     · Webmail     · Ubatuba            · · ·
O Guaruçá - Informação e Cultura
O GUARUÇÁ Índice d'O Guaruçá Colunistas SEÇÕES SERVIÇOS Biorritmo Busca n'O Guaruçá Expediente Home d'O Guaruçá
Acesso ao Sistema
Login
Senha

« Cadastro Gratuito »
SEÇÃO
Crônicas
15/09/2008 - 05h23
O sensacional e nojento Shi Fu
André Falavigna
 

Outro na Liberdade. Mas preparem-se. Não se trata de coisa para amadores. Era para se chamar Sea Food, como se isso fizesse algum sentido, mas terminou batizado de Shi Fu, nome que quando dito em voz alta soa como uma versão infantilizada daquela expressão cafajeste que se presta a dizer que alguém se deu mal, mas que poderia perfeitamente descrever as possibilidades que tocam os que se atrevem a entrar na casa. Comecemos do começo. Pelo nome.

Imaginem a cena: o chinês, chinês mesmo, vai ao cartazista e lhe diz que gostaria que o restaurante chamasse-se “Sea Food”. Só que ele diz isso em chinês, nada menos do que chinês. O cartazista entende o que lhe vem à veneta e, certo de que se trata de homenagear algo muito chinês, vai lá e pinta algo que não significa nada em nenhum dos idiomas envolvidos: nem no chinês do restauranter, nem no português do cartazista e nem no inglês da moda.

O Shi Fu é nojento, mas é muito bom. Marcelo Katsuke, talvez o mais despojado, humano e bem-humorado crítico gastronômico da cidade (ao menos parece estar ciente da própria mortalidade, coisa rara no meio), confessa em seu blog que sempre teve vontade de visitar a pocilga. Providenciou companhia, que essas coisas não se faz sozinho – principalmente se você for japonês e quiser enfrentar ambientes chineses, enfumaçados e obscuros – e foi dar com as caras nas faixas e dizeres da vigilância sanitária. Tentou de novo, chegou a sentar-se à mesa e a olhar o cardápio. Entrementes, seu escudeiro notou que o prato em que se pretendia que ele despejasse a comida pela qual pagaria estava manchado. De gordura. Alertou qualquer garçonete. Com destreza e despacho e diante do atônito cliente, a jovem (são todas jovens) passou o lombo do indicador pela nódoa, devolveu-lhe o prato e deu-lhe as costas. É por isso que somente na terceira tentativa o editor de arte da Folha Online, também fã do já citado Kintarô, conseguiu comer – creio que sozinho – no estupendo e asqueroso Shi Fu.

A última vez que fui lá contei sete simpáticas baratinhas, isso só entre a cozinha e o banheiro. E daí? Você pode escolher os siris que vai comer, todos vivos e a postos, ostentando vigor numa imensa pilha dentro do aquário que fundeia o restaurante. Isso sim é importante. O frescor dos ingredientes salta aos sentidos, e creio que por conta desse rigor de procedimento, quase artístico, os proprietários sintam-se desobrigados a aprofundar-se na questão das geladeiras, das toucas, das luvas e dos detergentes.

Há inúmeras opções no menu, sobretudo se você conhecer o idioma chinês. Se não conhecer, como eu não conheço, vai depender da boa vontade das garçonetes mais mal-educadas do mundo. Do mundo, fui claro? Elas não se esforçam minimamente em compreendê-lo ou em se fazer compreender, mas apenas em mostrar o quanto, ainda que sujinhas, seriam capazes de dar bom caldo, numa espécie de demonstração meta-gastronômica das possibilidades matrimoniais dos han. Fazer o quê? Com muita paciência, em meia hora você já conseguiu escolher o que vai comer.

Vagem, com carne de porco ou frango. Mil tipos de peixes ensopados, grelhados e fritos, um milhão de variações para o nabo. Boi doce, boi salgado, boi gordo ou magro. Com feijões, arroz, outros legumes, no vapor ou fritos. Entenda: a variedade é tão grande que você entra comendo macarrão, passa por camarão e termina em pato. Evite a pinga chinesa que servem lá: é ruim, só serve para embebedar e, no dia seguinte, faz o mundo parecer algo governado todinho ele pelo PT.

Aproveite que a cozinha anda visível e aparentemente limpa – ou coisa parecida. Dá para bisbilhotar algo em meio aos vapores de cocção, às fumaças de mil fumos e a agitação frenética dos cozinheiros e de suas vítimas sapecas. Há histórias horrendas sobre o Shi Fu, mas todas dão conta da comida excelente e do preço exorbitantemente baixo. E nunca saí doente de lá, nem conheci quem o tenha feito.

Vá de coração aberto. Esqueça as unhas sujinhas do pessoal da recepção, do serviço e da cozinha. Espírito olímpico, pessoal. Incorporem-se naquela China Profunda que encantou o Ocidente Pimpão. Em outras palavras, urinem no chão do banheiro. E saiam sem se limpar.

Mas paguem a conta antes de deixar a espelunca, porque a contabilidade é um idioma universal que mesmo os chineses podem compreender muito bem. E o farão.

Tudo bem, eles o tratarão como lixo – não sem razão, afinal. Vai ser nojento, e você vai estar lá. É justo.

Mas vai ser muito bom.


Nota do Editor: André Falavigna é escritor, tendo publicado dezenas de contos e crônicas (sobretudo futebolísticas) na Web. Possui um blog pessoal, ofalavigna.blog.uol.com.br, no qual lança, periodicamente, capítulos de um romance. Colabora com diversas publicações eletrônicas.

PUBLICIDADE
ÚLTIMAS PUBLICAÇÕES SOBRE "CRÔNICAS"Índice das publicações sobre "CRÔNICAS"
31/12/2022 - 07h23 Enfim, `Arteado´!
30/12/2022 - 05h37 É pracabá
29/12/2022 - 06h33 Onde nascem os meus monstros
28/12/2022 - 06h39 Um Natal adulto
27/12/2022 - 07h36 Holy Night
26/12/2022 - 07h44 A vitória da Argentina
· FALE CONOSCO · ANUNCIE AQUI · TERMOS DE USO ·
Copyright © 1998-2025, UbaWeb. Direitos Reservados.