O preconceito sexual da família muitas vezes influencia na sexualidade da criança exatamente de forma contrária à desejada pelos pais. Em um país machista como o Brasil, é exatamente o afastamento absoluto das atividades ou brincadeiras mais delicadas – no caso dos meninos – e daquelas atividades consideradas mais brutas – no caso das meninas – que desperta a curiosidade e muitas vezes o desejo de uma transgressão neste aspecto. Esta não é a causa única da afloração da homossexualidade, mas é uma causa importante e bastante vezeira.

Certa vez, um pai quase me agrediu fisicamente quando lhe disse que deveria deixar seu filho brincar de boneca, e a filha de futebol, como era o desejo de ambos, porque a brincadeira de boneca podia ser um bom dispositivo para o desenvolvimento da afetividade do menino e a bola seria saudável para a menina, sob vários aspectos. Além disso, a derrubada dessa barreira seria definitiva para que ambos crescessem bem resolvidos, sem esse temor injustificável da transformação de suas naturezas, pela simples lida com brinquedos.

Não importa que se brinque de jardim ou carrinho. De casinha ou doutor, comida, luta, futebol ou peteca. A verdade é que os badulaques azuis, cor-de-rosa ou de quaisquer outras cores são perfeitos tanto pra Júlia quanto pro Zeca e a Zuca. Da mesma forma, a brincadeira pode ser de caubói, boneca e polícia, ou de cachorro, gazela, condor e gorila. Ele pode ser, na brincadeira, a Branca de Neve e ela o Soneca, ou o Dunga. O que ambos não podem mesmo é gostar de tristeza e dor.

Pouco importa que ambos brinquem nas vielas ou nos bosques e cortem lençóis para brincar de fantasmas, abrindo as asas para o sonho, ou se eles são guerreiros, insetos, outras personagens. Sejam esses brinquedos concretos ou imaginários, a verdade é que toda criança brinca de brinquedos. E brinquedos não têm sexo. O resto dependerá muito da boa criação que dermos aos nossos filhos, educando para a cidadania, e muito da natureza e da escolha de cada um, mais tarde. Ensinaremos valores essenciais, munindo os nossos pequenos de todos os conceitos adequados de liberdade, respeito, honestidade, coragem, ética e trabalho entre outras virtudes. Essa é a nossa responsabilidade. Nenhuma outra é de nossa alçada. Nem mesmo a imposição de conceitos religiosos.

Nota do Editor: Demétrio Sena é Educador no Colégio Estadual Alcindo Guanabara – Guapimirim (RJ). Palestrante. Membro da Academia Mageense de Letras.