Quando o filho mais velho e mais querido foi preso, a mãe levava nas visitas o bolo de laranja que tanto lhe apetecia, entre outros regalos, mas quem carregava os embrulhos era sempre o seu garoto mais moço. Este muito lamentava a sorte do irmão, ou assim parecia, se bem ansiasse igualmente por maior atenção da velha que, sem perceber, pouco o considerava, embora sempre exigisse dele extrema dedicação ao outro. Para agradar aos dois, fez-se simpático aos carcereiros, contava piadas, distribuía cigarros, cumprimentava-os com distinção. Convenceu-os, assim, a permitir que seu mano andasse pelo pátio durante as visitas. Enquanto o mais querido e a mãe passeavam de braços dados sob as amendoeiras, o moço invejava a cena amorosa da qual sempre estivera excluído. Foi, então, que decidiu ganhar de vez as atenções da velha. Quando os dois retornaram do passeio, paralisaram-se perplexos: agora dentro da cela, afinal cativo, o moço comia do bolo com inédita satisfação. Sentia-se pleno. E ainda ganhou beijos da mãe na despedida. Nota do Editor: Daniel Santos é jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de O Estado de S. Paulo e da Folha de S. Paulo, no Rio de Janeiro, além de O Globo. Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
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