Quem tivesse paciência em contar chegaria a uma cifra espantosa. De cair o queixo. Eram nada menos que 499 pingentes em marfim adornando o pescoço de Adamastor. E uma razão que, descreviam, fazia com que exibisse aquelas prendas com orgulho de macho. Todas com nome, data e nota de 0 a 10. Aos que havia permitido ler, foi dada também a missão de espalhar o folclore: ao longo da vida, fizera tombar um exército de virgens. Ele sempre se pavoneando, sem confirmar ou negar aquelas histórias, a que se amplificasse o mito em torno de sua imagem. Se fazia ver às 6 da matina na padaria do bairro, pedindo cerveja preta com ovos batidos. Esgotava tudo no copo do liquidificador, lambia as sobras ao bigode já em branca idade. Variando, bebericava conhaque à base de jurubeba e catuaba. E encerrava com charuto baiano. Era nesse hálito que chegava diariamente ao segundo andar do casarão, pisando macio, a que não despertasse as garotas do bordel. E se punha a examinar detidamente as fotos enviadas pelos agentes, em meio a uma cortina pornográfica de fumaça. Por amor à diversidade, ora pombinhas de 18, carne fresca, ora damas subindo a serra. E, passados tantos anos, prerrogativa para qualquer candidata ainda era chegar com aval do amigo e conterrâneo Doutor Zenóbio, atestando selo intacto. Bateu naqueles dias foi o drama de que, sendo especialíssima, de número 500, ficava cada vez mais difícil se convencer na escolha. Seus olhinhos, que remetiam a tartarugas tristes, então brilharam intensamente no encontro casual, vagando pela internet. Ela se anunciara leiloando a virgindade por princípios para lá de nobres – a conclusão da faculdade. Hummmm... Conferiu o rosto, certo de que sorria era para ele. Bela, bela. Belíssima. E norte-americana!!! A ficha com medidas instigantes. Volume estupendo de seios. Bunda e coxa em contornos incendiários. Não perderia aquele corpo por nada no mundo. Ainda que fosse à disputa com xeiques e sexólatras abastados. Se preciso, se dispunha até mesmo a vender a metade de seus bordéis à concorrência. Passou as semanas seguintes contando e recontando cada centavo. Fez dinheiro das vacas do Norte, das terras griladas no Pontal do Triângulo, das malas de euros e dólares que sabia falsos. Se embebedou por noites e noites sonhando com aquela face. E pensava previamente no contrato: ela vestida de noiva, em biquinho de dengo, repetindo “I love you”. No leilão, é Adamastor, cara quadrada de índio, nariz em traço árabe, subindo a plaquinha a cada lance dos concorrentes. Viu a soma bater na casa dos 2 milhões. E que diabos era aquilo? Uma mulher emparelhada na disputa?!?! Ah, jeito algum que se dobraria. Mal saberia como pagar, mas foi subindo, subindo, esbarrou nos 5 milhões. Ganhou também capa dos jornais, o milionário excêntrico arrematando a estudante excêntrica... A recebeu em tapete vermelho, champanhe francês, queijo suíço, no palacete de Santa Tereza. Ela a todo o tempo se desculpando, ensaiando choro. Ele só pensando naquilo. Simulou compreensão, sem abrir a guarda a um mar de lamúrias. Encheu-lhe duas, três, quatro taças, e logo a gringa flutuava entre os lençóis. Adamastor seguiu o velho ritual, inaugurado seis décadas atrás: tomou o leite morno com cachaça, devorou três ovos de codorna e coquetel secreto de ervas. Partiu para o ataque. Ela agora só em véu, soletrando “I love you”, ao ritmo das amazonas maduras. Soou tão sincero que, no café da manhã em despedida, Adamastor tomou-lhe as mãos e falou de planos. Pudesse contar com ele se um dia se decidisse por investir em pós-graduação, mestrado, doutorado... Porque o futuro, tentou ser original, o futuro estava na educação. E ele assinava embaixo. Nota do Editor: Eduardo Murta é jornalista, autor de "Tantas Histórias. Pessoas Tantas", livro lançado em maio de 2006, que reúne 50 crônicas selecionadas publicadas na imprensa. É secretário de Redação do jornal Hoje em Dia, diário de Belo Horizonte. Já teve passagens também pelos jornais Diário de Minas e Estado de Minas, além de Folha de S.Paulo e revista Veja. É um dos colunistas do Hoje em Dia (www.hojeemdia.com.br), onde publica às quartas-feiras.
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