Depois de quinze anos de atividade ininterrupta, contando com o derrame de bilhões de reais dos cofres públicos e o apoio permanente, incondicional e irrestrito da mídia engajada, o chamado "cinema da retomada" se declara falido. Quinze anos - como diria o Conselheiro Acácio - não são quinze meses nem quinze dias - é tempo pra burro. No longo período, foram lançados centenas de filmes e o governo federal e os estaduais e municipais investiram dinheiro grosso na produção, distribuição, exibição e propaganda (enganosa) de filmes, e o resultado é que, neste ano de 2008 cujo fim se aproxima, o "cinema da retomada" atingiu patéticos 6,9% da atenção do público que vai às salas de exibição no Brasil. O negócio chegou a tal ponto que nem os camelôs das ruas, vendedores de filmes piratas, querem comercializar o produto caboclo: para o mercado marginal, que se rege pela lei da oferta e da procura, ele não vale o investimento - salvo raríssima exceção. No entanto, com o dinheiro farto (e fácil) do lesado contribuinte, nunca se produziu tanto. Segundo dados fornecidos pela empresa FilmeB, voltada para a análise do mercado cinematográfico, estão sendo preparados hoje 300 filmes no país (O Globo - A crise dos 9,6%, 28/08/2008), enquanto cevam em processo de captação de recursos (provenientes da isenção fiscal concedida pelos governos) mais 300 projetos - afora os quase 200 filmes que estão sendo rodados, em fase de montagem, nas prateleiras ou mesmo aguardando lançamento. É uma orgia de gastos irracionais e sem precedentes: os cineastas de "prestígio" gastam em média 3, 4 ou até 5 milhões de dólares na produção de um filme que, em geral, não chega a pagar as despesas envolvendo a confecção de cópias, cartazes e divulgação na mídia. Dos 17 filmes lançados no mercado até o final de abril, apenas três ultrapassaram a faixa dos 100 mil ingressos vendidos - o que significa dizer que todos eles jamais irão sair do "vermelho" na contabilidade do desperdício criminoso. Ao justificar a completa incompetência para levar o público ao cinema, a casta corporativa do setor levanta todo santo dia os bodes expiatórios de sempre, a saber: 1) Presença maciça do filme americano no mercado; 2) número deficiente de salas de exibição, em torno de 2300; 3) insensibilidade do público da classe média, que dá às costas ao produto nacional, preferindo ver o filme estrangeiro em aparelhos de "home-theater"; 4) o preço do ingresso, considerado caro para o público de baixo poder aquisitivo, tido ilusoriamente como espectador virtual do filme caboclo; 5) escassez do filme nacional nos canais de TV aberta e a cabo. Para enfrentar as "muitas ausências", os venturosos caciques da corporação (entre eles Cacá Diegues, o Sinhozinho do cinema nacional) consideram que se faz obrigatório, desde logo, a seguinte e oficial agenda: 1) decretação de novas leis protecionistas; 2) instalação de mais salas de exibição; 3) criação de novos fundos para financiamento de mais "filmes para todas as telas e todos os públicos"; 4) financiamento do espectador, a partir da implantação do "tíquete-cinema" para ampliar o "consumo" do filme brasileiro; 5) criação de taxas e tributos adicionais objetivando o controle dos meios de comunicação e a imposição do filme nacional na TV aberta e paga. O modelo incorporado à manutenção artificial do cinema brasileiro transformou-se num escândalo público, tanto político quanto econômico e social. Num país decente, ele já estaria liquidado para todo o sempre. Mas, no Brasil, o fracasso do sistema viciado só faz fortalecer os seus beneficiários. No momento, para auferir mais recursos públicos, na ordem de bilhões, os seus mentores pautam a mídia ideologizada que, por sua vez, em uníssono, levanta a bola para o saque (no duplo sentido da palavra) da casta corporativa. Um burocrata da Ancine, Sérgio Sá Leitão, diante da sangria, fala da necessidade de se desenvolver um cinema voltado para o mercado e de se "valorizar a meritocracia". Uma coisa impossível de acontecer, mesmo com a imposição de todas as leis protecionistas do mundo, pois o conflito entre a platéia e o cinema nacional é abismal e de natureza ideológica: o público brasileiro é conservador, acredita em Deus, no casamento, na família, no trabalho, condena o aborto, o consumo da droga, a violência do MST e, de modo geral, todo o receituário "politicamente correto". Já o cineasta tupiniquim, cultivando uma idiossincrasia ideológica, o "cinema de autor", é em geral um sujeito de esquerda que renega Deus, convive com a droga, tolera a promiscuidade sexual, zomba do casamento, vota pelo aborto e aplaude, dentro ou fora da tela, o que acredita ser a violência revolucionária. Violência revolucionária, de resto, que liquida com mão de ferro qualquer hipótese de justiça social uma vez estabelecido o regime comunista que o nosso cineasta "progressista" almeja. Qualquer análise de natureza psicossocial evidenciaria tal fenômeno, embora ele não corra o menor perigo de ser considerado pelos integrantes da corporação parasitária. O fenômeno, no entanto, pode ser constatado na prática. Na atual conjuntura de fracassos, o lançamento do extemporâneo "Bezerra de Menezes: Diário de um Espírito", de temática religiosa, feito por encomenda da Associação Estação da Luz, se tornou a única boa notícia da temporada. Com poucas cópias, o filme, dirigido por estreantes e detratado pela crítica engajada, em menos de duas semanas foi visto por mais de 150 mil espectadores - tendo em perspectiva um público de, pelo menos, 500 mil espectadores. O filme, que navega contra a corrente do cinema "politicamente correto", não quer fazer a cabeça de ninguém, muito menos do público. Trata simplesmente da recolocação nas nossas telas de valores familiares e das relações espirituais entre a morte e o universo materialista - vale dizer, a correta cinebiografia do médico cearense que propagou a doutrina espírita no Brasil. Mas quem disse que o fenômeno será levado em consideração? Nota do Editor: Ipojuca Pontes é cineasta, jornalista, escritor e ex-Secretário Nacional da Cultura.
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