"A sabedoria é filha da dor, e nasce com muitas lágrimas." (Ésquilo) Ensina-nos o adágio Chinês que é melhor acender uma vela do que amaldiçoar a escuridão. Aliás, uma vela acessa, por menor que seja a sua chama, é muito mais luminosa que todos os gritos humanos frente ao vazio percebido a sua volta como única realidade reinante percebida pelas turvas vistas. Ora, mas por que iniciamos esta missiva com essa observação? Ora, quando nós volvemos nossas vistas para as teorias educacionais que estão em moda em nossa sociedade há pelo menos quatro décadas apresentam sempre, via de regra, um grande grito sobre os problemas que circundam o fazer educacional. Entretanto, em que medida esses gritos de indignação e revolta, teoricamente expressos, se transfiguram em uma opaca luz, para melhor compreendermos e melhor agirmos nesta seara obscura que é o universo do ensinar e do aprender? Bem, em tão poucas e parvas linhas é deveras difícil darmos uma resposta apropriada. Porém, podemos apontar um caminho, mesmo que diminuto, para esta reflexão. Para visualizarmos em que medida as teorias sobre o educar tratam mais sobre o vazio do que sobre o referido ato, basta que perguntemos em que medida tais teorias realmente refletem a sua maneira de viver o aprender e o ensinar. Ora, educação não é feita de sujeitos hipotéticos, mas sim, de pessoas reais. Agora, se as proposições feitas de maneira hipotética não correspondem aos dilemas vividos pelas pessoas, qual a razão da existência destas proposições? Qual a validade de uma teoria que afirma versar sobre um problema, mas que, versa apenas sobre lugares-comuns eruditamente maquiados? Esse é um exercício intelectual bastante árduo e solitário, pois, não parte do pressuposto de confirmar a validade de uma teoria “A” em relação a teoria “B” ou “C”. Muito menos afirmar que o autor Fulano é melhor que o autor Sicrano, mas sim, apenas verificar a validade do que está sendo apresentado. Via de regra, os debates em torno de teorias, sejam elas na seara da educação ou em outro setor das ciências sociais, se dão pela simpatia para com o autor das teorias ou na beleza retórica do discurso que está sendo apresentado. Discutir nesta base é reduzir a discussão intelectual ao nível de uma reles discussão política. Ou seja: a discussão intelectual, em nosso país, na boa parte dos casos, cada vez mais, se norteia pelo viés do mero convencimento da maioria das pessoas de que os seus postulados são “melhores” que de outrem. Não mais com vistas a realmente se ter uma visão mais clara e lúcida da realidade. Uma e outra pessoa podem com tranqüilidade afirmar que tal situação, a de um debate que tenha em vista apenas apreender a verdade, seja apenas uma quimera ou simplesmente uma “ideologia”, ou um sintoma de “alienação”. Tais afirmações apenas demonstram com mais clareza esse cenário caótico, onde os indivíduos discutem apenas na base da persuasão e não da investigação desprendida e sincera. Em um debate político tal postura é aceitável e compreensível, mas entre “estudiosos” de um assunto, isso é simplesmente loucura. Não é à toa que as pessoas nos dias hodiernos se vêem tão facilmente persuadidas a assimilarem “novas idéias” que são em seu todo bonitinhas, mas em sua concreção com o real, meramente ordinárias. Entendam-se novas idéias, como meros modismos intelectuais que vão e vem. Isso mesmo, passou-se a ser um sinônimo de sabedoria e bom-entendimento estar propenso a assimilar as novas idéias como se o simples fato de elas serem “novas” traria, em si, ares angelicais de veracidade. Infelizmente, na maioria das vezes, não se indaga e medita sobre o que, em si, a teoria apresentada em uma obra, sobre o que ela está descrevendo e explicando, mas sim, procura-se vislumbrar unicamente se a obra é atual (entenda-se atual apenas como tendo a data de publicação recente) ou se o autor vive nas graças do consenso acadêmico massificado. Por essa razão, não coro de vergonha em ser visto como uma pessoa fechada para as “novas idéias”, pois não trato as idéias como sendo um animalzinho de estimação, mas sim, como aquilo que são: teoria e conceitos que devem ser submetidos às provas de fogo de uma boa depuração dialética para somente depois, muito depois, agregá-la ao meu mísero cabedal intelectual. Agora se ela é “bonitinha” ou não, ou se ela foi escrita recentemente ou há quinze ou vinte séculos passados, ou se foi Fulano ou Beltrano que escreveu isso, pouco me importa. O que deve nos interessar é a descrição do objeto e não o efeito sentimental que a descrição exerce sobre nós. Bem, isso deveria ocorrer em um clima de normalidade. Clima este praticamente inexistente nestas centenárias paragens Cabralinas. Para averiguar o que afirmamos nestas pacóvias linhas, basta que você faça para si mesmo e para os seus as seguintes perguntas sobre uma obra lida: (i) Qual o objeto central da teoria adotada pelo autor? (ii) Quais são os seus conceitos centrais? (iii) Qual a trajetória da construção de sua teoria? (iv) Há uma correspondência entre esta teoria e o objeto descrito por ela? (v) Qual é o problema, ou problemas, apresentados pelo autor? (vi) Quais são as respostas apresentadas ao(s) problema(s)? (vii) Elas são razoáveis? E se o são, o são em que medida? E se não o são, não o são em que medida? Apenas a título de ilustração do estado em que se encontra o debate intelectual em nosso país, certa feita um educador afirmou para mim que não gosta do Paulo Freire, mas que tem grande apreso pelo Moacir Gadotti. Opa! Espere aí: mas o Gadotti é o atual diretor do Instituto Paulo Freire. Não apenas isso: é discípulo do finado pedagogo. Será que ele sabe disso? De mais a mais, isso não é uma questão de gosto. Gosto cada um tem o seu, já há muito nos dizem os garotinhos que comem tatu. Pior que isso é vermos uma porção de idiotas afirmando que os filósofos da Patrística e da Escolástica estão ultrapassados pelo simples fato de nunca os terem estudado e/ou apenas ouvido falar (e mal) pela obra de terceiros que as conheciam superficialmente. Neste caso o problema é que a referida pessoa não analisou as idéias por trás das palavras e à frente das pessoas, mas sim, apenas a imagem dos autores e o efeito emocional das palavras escritas por estes e, provavelmente, nunca lhe ocorreu levantar as questões apontadas no parágrafo anterior. Por fim, que nome você daria a um cenário como este? Não é um cenário com pequenas velas quebrando a escuridão, mas com certeza muito se assemelha a um palco de sombras desafiando os ares lúgubres das trevas como se elas, as sombras de entendimento, fossem explicar a ausência de luz.
Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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