Para quem joga futebol, há algo muito mais terrível do que ser driblado, chutado ou perder pênaltis, pois não há nada, absolutamente nada pior do que levar um frango (será?). É a desgraça absoluta. Nestas horas, a vontade que o pobre goleiro tem é de sair de campo, ir até a cozinha mais próxima, pegar uma faca, voltar e assassinar a bola, como se ela realmente fosse um galináceo (a propósito, leia também “O sofredor”). Ao contrário dos outros jogadores que só sabem maltratar a bola, chutando-a pelo chão frio, o goleiro abraça a bola, envolvendo-a em seus braços, protegendo-a com seu próprio corpo, pois sabe que se deixa-la ir, ela certamente acabará no fundo de sua goleira. Os goleiros são párias em campo, vivendo sozinhos em meio a um turbilhão de jogadores, onde os seus momentos mais inglórios acabam causando a glória do time adversário, que comemora tais fracassos com alegria e festa. O goleiro não causa o fim do jogo, mas o fim da jogada. Quando ele segura a bola troca-se os pés pelas mãos e se reinicia toda estratégia da partida. Cada chute em sua direção interrompe a respiração de quem assiste, uma respiração que se transforma em gritos diante de suas falhas, ou em meros suspiros de alívio quando ele pára a trajetória da bola, impedindo-a de cumprir seus desígnios de arauto da derrota. O jogo é extremamente injusto para quem fica no gol, pois enquanto o artilheiro vem pra cima com seus amigos querendo bater e marcar, o goleiro fica de braços abertos esperando para apanhar. É dele o dever de apanhar a bola, defendendo toda sua equipe. Preso em sua pequena grande área, buscando evitar que o pior aconteça, mesmo que isto vá contra o anseio de toda uma multidão de pessoas que torce e espera ansiosa que ele fracasse. Não são poucas às vezes em que a bola rola e, através de pés habilidosos, acabe enrolando este ser solitário, que cai de joelhos diante dos oponentes para tentar salvar o seu time. Todo goleiro sonha em ser um herói, imagine-se como um desses defensores, recebendo a bola e resolvendo sair com ela para o ataque (ao invés de lança-la para seus companheiros de equipe). Os jogadores do outro time vindo em sua direção como cães raivosos, e seus colegas de campo gritando: “Passa!”, “PASSA!”. E você ali, firme com a bola. Mas você acaba recebendo uma trombada, mais por inabilidade em desviar do que por truculência adversária. Com a porrada recebida, você rodopia algumas vezes na quadra, as luzes girando em sua volta. O desequilíbrio momentâneo fazendo-o cair, mas para sua sorte a bola ainda permanece ao seu alcance. Puxa o fôlego e se lança novamente ao jogo. Sai correndo cegamente e ainda meio tonto, com ela sob seus pés e uma goleira a sua frente. Seus colegas de time param, os jogadores do outro time também, e você passando por todos como se estivessem em câmera lenta. Sua respiração parece que irá falhar a qualquer momento, os olhos fixos na bola. Canaliza toda energia do corpo para sua chuteira e enfia o bico. O público presente ergue-se nas arquibancadas e grita: “OOOOHHHH!”, em uníssono. Você então levanta a cabeça em direção ao gol, consegue ver com clareza o contorno da trave, a rede balançando com o impacto da bola, mas... Cadê o goleiro? Tudo ainda parece ocorrer em câmera lenta. Aos poucos você vai girando o corpo. Seus colegas estão com as mãos na cabeça. No rosto dos jogadores do time adversário um ar de espanto. E lá no fundo da quadra o goleiro deles em pé, olhando estarrecido para você. Ao que parece aquela trombada tirou mais do que seu equilíbrio, ela tirou também a direção correta do gol adversário. Enfim, existe algo muito pior do que ser chutado, driblado e errar pênaltis. Algo até mesmo pior que levar um frango em um jogo. Basta apenas fazer um gol, um belo e derradeiro gol... Contra. Nota do Editor: Antonio Brás Constante (abrasc@terra.com.br) é escritor.
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