”É como um ovo de serpente. Através da fina membrana, pode-se ver um réptil inteiramente formado” (Dr. Hans Vergerus para Abel Rosenberg em “O Ovo da Serpente”, de Ingmar Bergman) Nasci em 46 e a idade não é problema para mim, exceto a degeneração do corpo e o aparecimento das doenças. Sou muito mais feliz hoje do que na adolescência. A idade nos dá a capacidade de fruir a delícia das pequenas coisas que o fogo da paixão não deixa na adolescência. Sabemos que cada dia é um dia a menos, tanto de felicidade como de sofrimento. Ao receber os dados das eleições, ainda que incompletos, decidi rever “O OVO DA SERPENTE”, um filme muito inquietante, como todos os filmes de Bergman, o maior cineasta sueco. Neste, ele amplia o foco, partindo da dor individual para entendermos um fato mundial: o surgimento e as conseqüências do nazismo, que os alemães carregam até hoje como uma vergonha nacional, como um assunto tabu, como foi mostrado em outro grande filme: “UMA CIDADE SEM PASSADO”. Em rápidas pinceladas, vai caracterizando a época: um povo miserabilizado e humilhado devido à derrota na Primeira Grande Guerra Mundial, buscando um bode expiatório para a sua situação e um líder messiânico que os livrasse do sofrimento. Como bodes expiatórios, os judeus, daí o resultado trágico do holocausto. Como Bergman sempre enfoca mais o lado psicológico, não aparece o medo que a Revolução Russa causava à burguesia, tanto é que, grandes firmas financiaram a ascensão e desenvolvimento do nazismo. No entanto, mostra que a ciência não é neutra e, muitos cientistas se aliaram ao nazismo, desenvolvendo pesquisas, dando-lhe as armas para subjugar o povo. Portanto, conhecimento sem ética pode causar muito mais danos à humanidade. Quem era contra o nazismo teve que sair, como Einstein, se esconder ou fazer um trabalho de guerrilha. No Brasil, grandes firmas também financiaram a ditadura e a tortura. No entanto, as indenizações que os torturados e suas família recebem, são pagas por todos nós, contribuintes. Aqui em Ubatuba, se houvesse segundo turno, provavelmente Eduardo César não seria eleito, porque teve menos votos que a soma de seus adversários. Mas a maior tragédia é a eleição da Câmara Municipal, porque a grande maioria do povo não terá representação, pois 100% da Câmara está com Eduardo. Será que vão fiscalizar os atos do prefeito ou vão continuar a elaborar projetos sem qualquer repercussão profunda no nosso cotidiano, do tipo “criação do dia da tapioca”, “medalha de honra ao mérito ao surfista tal”... O grande divisor dessa eleição foi o poder econômico, a disputa entre um projeto de terceirizações que beneficiam empresas com sede em outras cidades e o projeto que pensa a produção, geração de renda e empregos formais, e redistribuição de renda entre os moradores e produtores locais. Numa cidade em que, grande parte da renda circulante tem origem nos vencimentos de funcionários públicos comissionados, a mudança de governo causa medo e apreensão, tornando esses funcionários reféns do governante. Muitas pessoas são contra os funcionários públicos efetivos, mas são muito menos manipuláveis porque não dependem do abuso do poder do chefe, já que a justiça lhes garantem o direito de defesa. Geralmente todo governante com desejo de se perpetuar no poder é contra o concurso público, porque essa regra impede que coloque submissas. Portanto, discordo do Sidney Borges quando afirma que a “democracia venceu” porque só há democracia quando há igualdade de condições. Quando na corrida, um só pode comprar uma bicicleta, enquanto o outro pode comprar o carro mais veloz, o resultado é conhecido previamente. Portanto, o povo venceu. A grande maioria não reelegeu porque avaliou o desempenho da atual administração. Rui Alves Grilo ragrilo@terra.com.br
Nota do Editor: Rui Alves Grilo é professor em Ubatuba (SP).
|