Quando ele atravessava o túnel entre as zonas Norte e Sul da cidade, um carro veio por trás e, ao forçar ultrapassagem, bateu violento na sua traseira para depois chocar-se contra o paredão de concreto e explodir! Apesar do susto, ele não perdeu o controle da direção e acelerou para livrar-se de eventual flagrante. Afinal, não causara aquele acidente. Logo chegou em casa e, para a própria surpresa, conseguiu adormecer. Despertou com o telefonema de um amigo, excitado com as notícias do dia: um chefe de Estado morrera em acidente automobilístico no túnel e, como há tempos recebia ameaças de morte, o crime poderia ser político! Contou mais: vários partidos preparavam manifestações para aquela tarde, o presidente da República falaria à nação e polícias de outros países vinham averiguar o suposto atentado que ecoava já pelo mundo inteiro. Tudo de pernas pro ar: era a crise! E ele na berlinda! Entregava-se ou permanecia clandestino? Aturdido, encolheu-se na cama – feto à espera da primeira palmada. Só assim conseguiria soltar o berro da sua angústia. Nota do Editor: Daniel Santos é jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de O Estado de São Paulo e da Folha de São Paulo, no Rio de Janeiro, além de O Globo. Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
|